Revivido

Macambuzio, o sofá calou. Aceitou meu peso. Minha mente, inquieta, cochilou. Um sonho soou naquele escuro fetal do sono. A casa de minha mãe apareceu, viva. Era de uma madeira que decidira despir-se da tinta azul que a recobria. Revelava-se nua, bege. Dentro, a casa era com piso avermelhado, quase marrom, também de madeira. Já as paredes eram verdes e o teto amarelo. Um pedaço de carne, agulha, cozinhava-se na panela de pressão.
O arroz já tinha secado na panela. Uma travessa untada com manteiga aguardava o casamento da carne e do arroz. O sal e o tempero verde já se dispunham a participar das festividades, esperando sobre a pia.
A janela amarela me pediu para olhar para fora. Vi um aeroplano, bimotor, em um ângulo descendente. Para assustar-me, expeliu fumaça pelo ar. Abri a porta amarela dos fundos e, da varanda, vi um estádio de futebol gritando. Corri e, em um corte cinematográfico, vi-me engolido pelo povaréu.
No lugar do banco, um estribo de cavalo bulia com minha pélvis. Espantado, como todas as milhares de pessoas ali no estádio, vi dezenas de aeroplanos ameaçando-nos com rasantes. Recordei, no sonho, que o país havia declarado guerra contra alguém.
O estádio me expeliu. O portão vermelho de casa se deixou abrir. O chão se correu e a porta da casa se abriu para que eu pudesse retirar dali minha mãe, antes que as bombas quisessem descer. Porém havia nenhum automóvel ou táxi, por perto, e ela era muito lenta e obesa para caminhar. Nisso, anoiteceu.
As portas e janelas se fecharam e uma das janelas me pediu para ver os demais aviões sobre o estádio. As demais janelas queriam ficar fechadas. Porém a da cozinha abriu-se para eu ver que um vulto entrava pelo portão. Era maligno, igual a um câncer.
As paredes da casa sabiam-se fracas. Senti-me morrente. Nisso, renasci de dentro do sono no feto do sofá. O telefone me ligou para minha mãe.
Revivi.

Leandro Malósi Dóro

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