No meio da estrada 

Quando me lembrei de olhar para trás, a figura do corpo dela, envolvido pelo carro, já havia desaparecido na última curva. Sentimento do adeus. À minha frente, percebi apenas a imagem do crepúsculo, natureza diurna dando boas-vindas à vida noturna. Meu carro flutuou sobre a estrada. Não conseguiu tocá-la. Ou conseguiu? Não lembro. Ela parecia mais longa devido às inúmeras curvas, vez por outra intercalada por retas de asfalto. As laterais eram revestidas por árvores iguais, separadas e enfileiradas uniformemente, cobertas de músicas e pássaros melancólicos. Triste sinfonia. Berceause. Confundiu-se com a música do carro. Também lento. Desejei a infinitude daquela estrada. Melhor: a sua circularidade. Possivelmente poderíamos novamente nos encontrar. Estrada deserta sem dunas, vento forte e frio. Onde eu estava? De longe as estrelas vinham surgindo. Umas alegres, outras tristes. A noite finalmente formou-se. Lua cheia contrastando-se com o meu estado. Ela trazia sobre si a negra sombra da paixão noturna. Ventura para os amantes. Sua luz era forte, e preferi desligar os faróis do carro. Marcha lenta. Na estrada, abandonei o carro. Desci. Caminhei descalço sobre o asfalto ainda quente do dia ensolarado. Insetos notunos atrapalhavam a minha visão, até eu avistar uma velha ponte quebrada, cheia de brechas, sobre rochas de lodo encravadas no leito do rio. Ele estava calmo contemplando a noite clara e eterna, esperando alguma estrela cadente cair do firmamento para, talvez, fazer algum pedido. Qual seria? Encontrar-se quiça com o mar? Fiz o meu. Mergulhei parte do meu corpo. Esperei-o flutuar e ser levado pelas águas. Aonde eu iria não tinha certeza. A lua acompanhou-me iluminando o meu caminho. Senti-me dono do rio. O rio era o meu dono. Naveguei por ele. Abandonei a minha realidade. Caminhei sobre ele, no meio da estrada, até encontrar-me com o mar.

David Cid

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