A BORDO DO NAUFRÁGIO
Poderia batizar meu iate com o nome de qualquer uma das minhas amantes, mas preferi chamá-lo de “naufrágio”, por vias das dúvidas. A experiência traz a inevitável sabedoria. Por encomenda da universidade Boliviana passei a madrugada a bordo de “Naufrágio” estudando as letras das canções francesas e italianas dos anos setenta. Com o sistema de web perfeito do barco.vou pela marina de Botafogo numa sensação impressionante de utilidade e importância. Queijo, vinho tinto e Adamo “Ma vie”. Uma viagem no tempo sobre o mar calmo e azul escuro. Sim, agradeci a Deus pelo naufrágio.
Há muito da Europa em mim. Gosto que as coisas funcionem como os relógios londrinos. As vezes fico um pouco ressentido pela falta de elegância e classe do mundo moderno. Sou um grande romântico. A culpa pode ter sido da minha mãe que me vestia com a roupa toda combinando. Pelas roupas minha mãe dizia sutilmente que eu tinha de ser um cavaleiro e um homem de bem. Ou talvez a culpa fosse dos livros franceses, que dizia que eu tinha que ser um bom republicano. Cantava a marselhesa com um amor verdadeiro pela França. E hoje constato a bordo do meu naufrágio que morreram os patriotas. Garçom ,champagne. Precisamos enterrar a esperança.
Os filmes e as canções da Europa me deixam melancólico no iate, ainda mais que recordo aqueles anos, que prometiam uma vida formidável. Quem esquece Casablanca? “O destino é algo muito grande para se importar com a vida de três pessoas.... “ Ah, meu Deus, os benefícios da cultura! Sempre serei grato aos bolivianos por esse trabalho. Ganhar para escutar “Tornero”. “Como é possível um ano sem ti? Garçom, champagne. É preciso enterrar o amor. Acabaram com a grandeza dos sentimentos.
Navegar na madrugada é uma aventura única. Sozinho no iate, apenas eu e o garçom, vou escutando as canções que me forjaram. O céu e o mar saúdam o ultimo cavaleiro. Saber que meus inimigos nunca me alcançarão poderia ser uma alegria. Mas melhor mesmo era não ter inimigos. Garçom champagne. É preciso enterrar a cultura. Não, não quero recordar certa dama. Melhor deixar que o mar apague seu nome da areia, Aline. “ j avous dessine, sur lê sable. Son doux visage que me souriat. “ Nada como ter um barco e canções a bordo, além de um garçom discreto e elegante. Alguém conhece a filosofia do garçom? Champagne, meu caro. È preciso enterrar a sutileza. O céu e o mar saúdam o último cavaleiro.
Marcelino Rodriguez