GATO AQUERENCIADO
A chuva não vai me impedir, ah, isso não vai. Tassiana grudava o nariz no vidro da janela, e vasculhava com o olhar todas as possibilidades para alcançar a rua. Era seu horário predileto. O horário de debruçar-se daquela altura para ver Guabiru passar.
Riu do apelido, do tempo que corria atrás do galo de rinha disparado como ambulância. Cuidado com ele, cuidado com o vizinho, repetia seu avô, zeloso com seu investimento para as tardes de sábado. Até que um guri franzino fez parelha com ela e não deu outra, brigou para valer. Meu galo, não.
Passou a mão nos cabelos fartos, acariciando-os. Seu galo agora era outro, mas dentro dela o mesmo jingle da infância, com pequena alteração: Cuidado com ela, cuidado com a vizinha.
Pela sua cara, as lembranças exalavam fel. Que mulherzinha para incomodar. Graúda, onde as tanajuras se destacam, cola o vestido de tal forma que não há santo que não dê uma olhadinha. Na última feira, um guri não se conteve e acertou os glúteos com tomate. Mas a danada rodopiou de tal maneira que os marmanjos ficaram mais caídos.
O grito do telefone estremeceu o corpo miúdo de Tassiana. Fez muxoxo: bem na hora. Correu, célere como lebre em dia de caça. Cantou o número do telefone e do outro lado, nada. Desta vez, gritou: Pô, não vai responder? E não respondeu, mas os ouvidos deviam ter arrebentado com a conclusão de Tassiana.
Voltou para janela, de onde não queria ter saído nem um instante, e murmurou, afogada: Ah, lá vem ele... que amor... olha para mim... dá um adeusinho... um pouquinho só...
Seu galo ia vencendo o percurso, depois da briga do dia. A chuva atrapalhava, mas não o impedia de avançar. Até que diante da janela de Tassiana, parou, tirou o boné e fez “aquele” gesto nobre. Guabiru podia correr, lutar, virar bicho com o chefe, mas com ela não. Manso que nem gato aquerenciado. E Tassiana miou com as mãos para que ele pudesse sentir seu calor, mesmo à distância. E pressentisse o ardor do próximo encontro.
Sonia Alcalde