1+1 (***)
Era uma vez um homem e um homem. Não, não há nenhum engano. Eram dois homens mesmo. Eles viviam num planeta distante.
Só que um deles era tão grande, tão grande e, o outro, tão pequeno, tão pequeno, que nenhum deles, apesar de viverem lado a lado, sabia da existência do outro.
Assim, embora vivendo no mesmo mundo, estavam solitários. Em virtude desta forma de viver, eles, diríamos, tinham, de vez em quando, algumas inquietações filosóficas. Pensavam: seria bom que houvesse alguém aqui para compartilhar comigo deste mundo. Poderíamos trocar idéias, informações, nos divertir, etc.
O pequeno, por exemplo, em algum lugar distante, encontrou um de sua altura que afirmava acreditar que existiam outros seres diferentes deles. Mas o pequeno, em seu firme ceticismo, não acreditava em tal bobagem.
Ora, ele nunca, jamais, em tempo algum viu outra criatura senão as do seu tamanho. E, isso, quando viajava para lugares distantes!
Ele já estava conformado. Sabia que iria passar o resto de sua existência naquele lugar sozinho mesmo. Fazer o quê?
Agora - dizia ele - vem cá, como alguém pode acreditar que existam outros seres diferentes? Ele não era bobo. Não iria acreditar numa besteira dessas.
Aquele outro pequeno, que ele conheceu numa viagem a um outro lugar, só podia ser um lunático, um fantasioso. Ora, onde já se viu...!
O mais engraçado, e talvez vocês não acreditem, é que o grandão pensava também a mesma coisa.
É lógico que vocês devem estar pensando que esses dois eram uns tolos. Puro engano. Eles eram muitos espertos, inteligentes e sensíveis.
Como assim, perguntarão vocês? Os caras viviam lado a lado e sequer percebiam a presença um do outro, como podiam ser espertos?!
Ah, mas nada fica oculto. E foi isso que aconteceu. Embora, tenha passado muito tempo para eles filosofarem, questionarem e, enfim, só aumentarem as suas dúvidas, aconteceu um fato que mudou toda a estória.
Um belo dia, uma lupa que o grandão usava, caiu no chão e quebrou. Em mil pedaços esta lupa se transformou. Para o pequenininho, estes pedaços de lente eram como estrelas e o barulho de sua queda foi tão alto, mas tão alto que o pequenininho não escutou, pois, como todos sabem, um ultra-som - que era o caso para o baixinho - não é audível.
O fato é que o grandão, ao ver sua lupa em mil pedaços, se agachou para apanhar os cacos, como se pudesse depois, num reflexo de ingenuidade, juntá-los novamente.
O grandão (quer dizer, grandão para o pequenininho) tomou um susto quando foi pegar um dos cacos e notou que alguma coisa se mexia. Claro, ele percebeu isso através da lente.
Era alguma coisa minúscula. Ele aproximou a lente dos olhos e tentou ver o que era aquilo. Ah, quase ele cai para trás ao perceber que aquela coisa era um homem igualzinho a ele, só que infinitamente menor!
Caramba! - disse ele - essa coisinha pequena está falando! A conclusão do grandão foi que, quem fala, pensa. Não sei se concordo com ele, pois, conheço muita gente daqui que fala sem pensar.
Bom, o grandão improvisou um ampliador de sons. Não importa como ele conseguiu isso. O importante é que o fez. Mas, ele pensou também em fazer uma lente invertida para que aquele homenzinho o visse também. E, assim, foi feito o contato entre eles.
O pequenininho tomou um susto danado. Temeu logo que aquela coisa monstruosa o devorasse. Enfim, ele pensava igualzinho a gente diante destas situações novas. Também não era para menos. Imaginem vocês se depararem com uma coisa enorme, incomensurável! Também não iriam tremer nas bases até se acostumarem?
Bom, depois de tudo se acalmar e ter havido explicações de lá e de cá, o pequenininho ex-clamou: como você é tão grande! O grandão disse a mesma coisa, só que invertendo o adjetivo: como você é pequenininho! E, assim, foram apresentados.
Para o grandão, o pequenininho não era normal, era pequenininho. A mesma coisa pensava o pequenininho do grandão.
Mas, em pouco tempo eles estavam trocando idéias, contando piadas (claro, de preferência sobre a condição do outro) e filosofando. No final, eles chegaram à mesma conclusão.
Disseram eles: pôxa, nossas consciências são iguais! Não há, apesar dos nossos tamanhos, diferenças entre nós!
Mas, é óbvio que isso vocês já tinham adivinhado que eles iam concluir, não é?
Hideraldo Montenegro
(***) Inspirado em um conto de Voltaire