INSONE

           Madrugada... Insone... Solidão... As horas se arrastam cansadas, pesadas, frias, vazias – nem mesmo Morfeu parece querer acolher-me em seus oníricos seus braços – só esta sensação de vazio, este aperto no peito...
           E eu não quero pensar, não quero lembrar... Quero apenas dormir, sonhar talvez, mas o sono não chega...
           Enquanto Hipnos me nega seu refúgio, seu conforto, escrevo, tão somente escrevo, sem vôos poéticos, sem palavras bonitas, sem frases de efeito sem rimas, sem métrica – apenas descrevo, registro o que vejo, tentando afastar meus fantasmas, preencher o vazio do momento...
           Mas, se olho à minha volta, eu só vejo lembranças e saudades me espiando em cada canto desta casa, que se um dia já me pareceu pequena para abrigar tanta vida, tanta alegria, tantos planos e sonhos, agora se me afigura imensa... Imensa e silenciosa... Já não há brinquedos espalhados pelo chão, nem marcas de mãozinhas e rabiscos nas paredes, agora limpas e impessoais... Já não há beijinhos de boa noite, nem o caminhar cuidadoso para não acordar as crianças... Já não há crianças... Elas cresceram, criaram asas e alçaram vôo rumo ao infinito de seus próprios sonhos, deixando apenas seus rostinhos lindos preenchendo as molduras dos porta-retratos e o eco de seu riso cristalino a repercutir nos longes do passado, e no silêncio destas minhas noites insones e cheias de saudades!... Também já não há amor... Amores vieram, e se foram, assim como o sol, que nasce lindo no horizonte, brilha por um tempo, e depois, inevitavelmente, declina rumo ao poente – mas o pôr-do-amor não é belo como o pôr-do-sol... O pôr-do-amor é sempre cinzento e dolorido, e não deixa estrelas nem luar atrás de si, mas sim um rastro de tristeza, desencantos, solidão...
            Fico a olhar, então, pela janela, procurando lá fora alguma coisa que ocupe o meu pensamento, que me faça esquecer... Esquecer até mesmo de mim. Mas, a esta hora, a rua está quase deserta, parece vazia... Uma densa neblina envolve tudo as lâmpadas emitem uma luz difusa, fantasmagórica, e as mais distantes, cujos postes tornaram-se invisíveis na neblina, dão a impressão de estarem soltas no ar – uma estranha visão... E este silêncio (que chega parecer palpável, úmido, pesado...), só quebrado, esporadicamente, pelo barulho do motor de algum carro, que num instante surge e some na escuridão... De vez em quando, vejo um vulto impreciso emergir da neblina, aproximar-se, e passar, como uma sombra, para em seguida sumir, juntamente com o ruído cadenciado de seus passos na calçada, como que vindo do nada, e indo para lugar nenhum...
            De novo o silêncio, as luzes difusas, a neblina, a rua vazia... E eu, só, insone, não querendo pensar, desejando não ser eu, estar longe de mim – ser apenas mais um vulto, envolto na neblina dessa rua semideserta, indo também para lugar nenhum...
            ... Ou talvez em busca de um novo amanhecer...

Eloah Borda

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