os irús
Os irús, outros dos duendes do Chaco paraguaio, são incrivelmente engraçados — pequeninos e quase todos mio corcundas, andam aos magotes, abraçados uns aos outros como se não houvesse outra maneira de viver. Por isso, irú quer dizer abraço, em guarani, derivando daí, segundo alguns etmologistas, a palavra, e não o contrário.
Descalços nos mínimos pés didáctilos — só o dedão e o minguinho, os irús começam a cantar mal dê o céu a sua aguada aurora, as pequenas mãos dadas; não raro, dizem os índios, dançam a churuchuchú, uma dança que joga as duas pernas para o alto e se cai de bunda no chão.
Despertam à primeira luz do mesmo modo que se recolhem ao oco das embaúbas ao último sol do dia e fazem do negror da noite sua cama e exílio.
Os irús são assim nem que a esperança, as manhãs altas, o canto da guirasa'iyú vespertina, o nunca entrevisto mar e sua utopia, o vôo da ararinha contra o azul do Chaco profundo, a lua, as amizades em que, dos maus ventos, se abriam os homns, os jogos sexuais do amor, uma mãe bem velhinha, e são esta filharada que enche a casa e desembesta os domingos com suas falas e risos, ôrras e urras, as álacres interjeições, os vivos adjetivos, os irús são nem que um poema de ouro, uma cantata, um inédito de Jamil Snege, o sumo da graviola, o sorriso da Lisa, a redonda nádega nua de Nenê, a mão na mão, o ombro no ombro, os pêlos nos pêlos, a boca na boca, as pernas entrelaçadas, os irúns nem que as doces palavras anchas derramando-se no chão da floresta e o ruído gentil dos passos sobre este caminho de folhas, que nem a chuva, os grilos, um filhote de onça, o coqueiro-anão.
Os irús, relevem, são uma só alegria.
Wilson Bueno
Do livro: Jardim Zoológico, Iluminuras, 1999, SP