O PACTO DOS POETAS
Naquela época os poetas se encontravam no Bar do Chico, perto do pátio de Santa Cruz. Os mais velhos lembram Álvaro Felipe, que imortalizou a rua Soledade com estes versos: Rua da Soledade/ paisagem de casarão/ onde o século deixou / a cor de sua digital / rua da Soledade/ saudade e solidão.
Lá, Durval Elias preparava as matérias para a "Folha Crítica e Literária", um jornal alternativo fundado por Joaquim Ribeiro, que era impresso por Francisco Cruz.
A Folha pretendia "rasgar o tumor inchado da hipocrisia" e os poetas da Boa Vista, entricheirados no Bar do Chico, esperavam ansiosos cada número.
Entre os bardos se destacava a figura silenciosa de Amaro Landim, escritor e jornalista, um poeta que estimava os grandes sistemas simbólicos e estilizava sua linguagem nos cânones da mais pura tradição. Havia publicado O AMOR E O CÂNTARO, um livro, que segundo os críticos literários, "denunciava com a bela arte da poesia a cruel indústria da destruição da humanidade. Um livro que anunciava a era do átomo e dos mistérios estelares, a luz apagada da consciência do mundo, o caos e o fogo nuclear. Um livro alucinante, onde o amor e a esperança perdida agonizavam numa cósmica marcha para o nada.".
Na primeira semana de um ano bisexto. Amaro Landim teve uma premonição. Reuniu Landelino Barbosa, Leovigildo Ribeiro, Celso Uchoa, Álvaro Felipe, entre outros e fez com eles um pacto secreto.
Não há registro do acontecido naquela noite no Bar do Chico. Nenhuma palavra, nenhum escrito, nada que possa reconstituir o pacto dos poetas. Muito se especulou e se falou nos meios literários de Boa Vista sobre o mistério daquela noite que perturbou sonos e consciências.
Mesmo 63 anos depois do pacto, em seu leito de morte, o poeta Leovigildo Ribeiro negou-se a revelar o segredo.
Nintuém sabe, até hoje, porque Amaro Landim decidiu mutilar o próprio corpo, arrancando seus olhos com um garfo.
Héctor Pellizzi
Do livro "A guerra de Boa Vista e outras histórias, Ed. Nova Idéia, 2ª ed., 1994