ESTRANHA EXPERIÊNCIA
Tarde quente de verão, resolvo dar um passeio até a colina, em busca de um ar mais fresco. São 3:00h da tarde. Vou até meu local preferido, no alto da colina.
Recostada em uma árvore, sinto o mormaço do sol escaldante. Em contraste, a grama me dá uma sensação boa de frescor, e, nessa miscigenação, vem um delicioso dormitar vespertino.
A tarde vai passando e fico ali admirando a paisagem e os animais que chegam, para se refrescar.
Aos poucos, a noite toma conta da paisagem e vejo no pasto algumas vacas dobrarem os joelhos e se prepararem para dormir. O silêncio parece tomar conta de tudo. Então percebo que é hora de voltar. Levanto-me, abro os braços e aspiro o ar gostoso da noite.
Começo a caminhar de volta à fazenda, em passos miúdos, para aproveitar este ar noturno. Estou afastada uns 200 metros da casa principal, quando ouço um barulho estranho, baixinho, mas que penetra fundo em meus ouvidos. Sinto-me um pouco tonta e paralisada; fico ali, imóvel, achando que, talvez, seja uma queda de pressão momentânea.
Fecho os olhos por um momento e sinto-me tontear; olho para o lado e vejo uma pessoa vindo em meu auxílio. Uma mulher me segura pelo braço e ombro, e se oferece para me ajudar. Aceito e, lentamente, retorno ao meu caminho.
Aos poucos, vou percebendo tudo estranho: não há mais vegetação; pareço estar num deserto; tudo em volta é areia; piso num solo duro, como se fosse uma estrada de tijolos socados, só que eles brilham com o luar, e posso vê-la terminar numa construção singular: parece uma cúpula de igreja, como se brotasse da areia e se fechasse em arcos, com uns 10 metros de altura.
Continuo a passos lentos, olho para o lado e vejo a senhora sorrindo - o mesmo sorriso de quando me encontrou, como se não tivesse outra expressão no rosto. Seus cabelos eram muito compridos, não conseguia ver até onde iam; sua mão era fria e molhada; seus olhos pareciam sem vida, não tinham brilho, estáticos.
Chego até o que seria uma casa. Uma porta enorme, talvez de ferro. A senhora empurra a porta e esta se abre, delicadamente, apesar da robustez aparente. Por instantes, me tranqüilizo, e imagino que se trate de um sonho. Penso, então, que o melhor a fazer é relaxar e esperar pelos acontecimentos. Sinto-me, ainda, muito zonza, e com uma sensação de estar, de fato, dormindo.
Lá dentro, assemelha-se a uma grande sala, de uma casa comum, porém, há estranhos e desconhecidos objetos. Não existem janelas, não vejo nada parecido com uma fonte de luz, seja natural ou artificial. Tudo o que existe, ali, é visível, apesar do ambiente quase que totalmente às escuras. É como se a iluminação emanasse de paredes fluorescentes.
Começo a sentir medo, pois não sinto nada familiar naquele lugar! No centro desta sala, há uma espécie de bolha plástica contendo um líquido avermelhado em seu interior. Sou conduzida até ela.
Enquanto me encaminho em direção à bolha, vejo que mais duas pessoas adentram ao aposento e ficam: lado a lado na bolha. Parecem humanos, mas sua fisionomia é tão estática como a da senhora que me ofereceu ajuda. Elas têm um sorriso igualmente sem emoção, e agora, mais perto, posso ver que seus olhos parecem, na verdade, desenhos plásticos colados nos rostos.
Eles se aproximam e, antes que eu possa ter qualquer reação, me seguram pelos braços, e ao mesmo tempo, que aquela senhora está atrás de mim, empurram-me contra a bolha! Não consigo resistir e sinto todo meu corpo unir-se àquela bolha! Reluto, puxando a cabeça para trás, meu corpo quase todo já esta envolto por aquela substância gelada, que me suga pernas e braços para seu interior. Minhas forças vão terminando e sinto, na nuca, uma picada rápida, seguida de uma sensação de calor, passando por toda a minha cabeça até meus olhos, os quais fecho rapidamente. Então sinto-me mergulhar no desconhecido, seguida de uma sensação de desmaio.
Abro os olhos vagarosamente e sinto dificuldades, pois há um clarão a minha frente. Aos poucos, minha visão vai retornando e percebo que o clarão é a luz do sol. Estou ali, sentada, recostada na árvore, sobre a grama fresquinha e olhando para o horizonte.
Assusto-me e volto correndo para a fazenda! Chego quase sem ar, com uma dor horrível nas costas. Minha mãe me dá uma caneca com água fresca e diz para eu tomar cuidado com o sol, pois tem muita gente tendo insolação na região. Levanto os cabelos para me livrar do calor e do suor, quando minha mãe se espanta e me pergunta desde quando tenho aquela mancha escura na nuca. Respondo apenas que não sei. O medo e a dúvida tomam conta de mim: terá sido tudo verdade? Não! Não pode ser, foi apenas um grande pesadelo!
Olho para a parede e o velho relógio cuco marca 3:00h da tarde. Que estranho!
***
Hoje é dia de festa na fazenda: meu filhinho faz um ano de idade! À volta da mesa apenas minha mãe, meu pai, meus dois irmãos, o padre da cidade, meu filho e eu. Cantamos parabéns e o padre, rapidamente sai, sem ao menos comer o bolo. Já na porta, se volta, se benze e sai apressado. Esta atitude do padre não é nada amistosa e eu sempre me irrito quando ele faz isso. Esperava mais compreensão por parte dele.
Meu irmão tem a infeliz idéia de pegar a máquina fotográfica; mira meu filho em pé, na cadeira, e dispara. Com o clarão, meu filho se joga para trás e arranha a máscara presa em seu rosto, deixando à vista sua pele verde, escura e úmida; seus músculos gelatinosos ficam à mostra; seus olhos vermelhos, sem pupilas, me fitam; de sua boca sai aquela língua réptil, então ele começa a soltar um grunhido ensurdecedor, e sei que só há um meio de acalmá-lo.
Olho o relógio, são 3:00h, saio com ele, apressada, e subo novamente a colina como tenho feito mensalmente neste mesmo dia, deixo-o lá e mal chego em casa, ao fechar a porta ele já esta de volta, o relógio marca a mesma hora.
Vou até o paiol. Entro, abro a pequena jaula, pego duas cobaias vivas e as levo para dentro. Meu menino corre ao meu encontro e engole, uma de cada vez, as cobaias, ficando apenas com os rabinhos delas nas mãos-garra, sorrindo, agora, satisfeito. Aprendi a me satisfazer com estes pequenos sorrisos que ele me dá, mesmo que o motivo seja sempre em razão da saciedade de sua fome.
***
Fico me lembrando de fatos ocorridos durantes o último ano e, que se mantém vivo em minha memória. Como o dia em que o médico me disse que estava grávida já de 4 meses. Como eu poderia ter engravidado sem ao menos ter conhecido um homem na vida? O médico constatou a virgindade para todos da família, mas ninguém acreditou e fui mantida fechada em casa toda a gravidez para que não envergonhasse a família.
Apenas o padre sabia do ocorrido e acreditava em mim, pois não tinha motivos para mentir. Apenas dizia que Deus sabe o que faz e esperou até o nascimento do menino.
Quando das primeiras dores, dona Maria fora chamada para fazer o parto em casa, mas bastou o menino coroar e ela saiu correndo. Até hoje ninguém mais a viu. Minha mãe é que foi minha parteira, juntas vimos ele pela primeira vez, aquele ser tão indefeso, parecia uma gelatina verde, fomos limpando-o e pude ver seus olhinhos vermelhos me fitando e me estranhando.
Minha mãe e eu apenas choramos muito e demoramos dois dias até que deixássemos meu pai e irmão ver o bebê. Precisávamos deles para tomar uma decisão muito importante.
Com dois dias de nascido, o bebê ainda nada comera, rejeitou o leite materno, a mamadeira e tudo o que tentávamos dar a ele. Estava sofrendo muito e cada dia mais fraco. Depois de conversarmos muito decidi subir novamente a colina no mesmo horário a fim de encontrar a mesma senhora.
Fiz isso durante três dias sem sucesso, o menino já nem grunhia mais. Estava morrendo. A única substância que conseguíamos lhe dar era água e eu improvisei um soro caseiro colocando açúcar e sal.
No quarto dia, eu já pensava em desistir mas uma força se apoderou de mim e peguei o menino correndo, fui até o alto da colina e chorava, gritava, olhava para o céu e chamava sem saber o que.
Desesperada, cai de joelhos com o bebê quase morto no colo e abaixei minha cabeça em sinal de desânimo.
Senti que alguém havia se aproximado e levantei lentamente a cabeça. Era ela, era aquela mesma senhora, só que desta vez não usava máscara, mas eu a reconhecia. Sentia uma paz imensa ao vê-la. Ela me estendeu as mãos e pediu o bebê. Eu o apertei forte contra meu corpo e ele já quase sem forças enlaçou meu pescoço e virou a cabeça se escondendo dela.
Então ela me fez sinal para segui-la. Andamos mais um pouco e ficamos paradas ali no cume da colina. Senti novamente aquele zumbido e a tontura, ao piscar os olhos, já estava novamente no mesmo caminho que havia estado meses antes.
Andamos apressadamente até a casa que eu havia estado antes e ao entrarmos já havia cerca de seis seres iguais a ela que recolheram o menino de minhas mãos e levaram até algo parecido a uma mesa.
Deitaram e examinaram-no completamente, olhavam-se entre si e para mim, eu não ouvia uma só palavra. Mas percebi que não gostavam do que viam e balançavam negativamente a cabeça. O coitadinho também não agradou a eles.
Trouxeram um frasco com um líquido arroxeado e deixaram cair uma gota na boca do bebê, após alguns segundos ele já abria os olhos e eles foram administrando aquele líquido até que ele não mais quisesse.
Devolveram o bebê ao meu colo e entregaram uma pequena jaula com alguns ratinhos dentro, aqueles que se usam em laboratórios. Um deles esticou o enorme dedo com sua unha comprida e fina e mostrou o rato e a boca do menino.
Senti um nojo absurdo, mas aceitei as cobaias.
Sai da casa e ao piscar os olhos, já estava novamente na porta de casa, e como da outra vez, o tempo não passou, ainda eram 3 horas da tarde.
No dia seguinte o bebê já sorria quando me sentei ao lado da mesinha de canto, onde eu guardara as cobaias. Levei um susto! Ele esticou suas mãos e agarrou a pequena jaula, começou a grunhir alto e chacoalhar os bichinhos.
Minha mãe, que já sabia o que havia acontecido, chegou perto, abriu a jaula e retirou de lá uma cobaia. Quando ela fez isto o bebê se jogou pra ela e tomou o bicho de sua mão, engolindo-o quase inteiro, apenas o rabinho sobrou em sua mão.
Desde esse dia ele tem vivido dessa comida, dois ratinhos por dia. E todo mês subo a colina, deixo lá o bebê num cesto que deixei preparado e, volto pra casa como fui orientada pela senhora estranha, que se comunicou comigo por telepatia.
Ainda não sei o que será do meu menino, mas eu o amo como se fosse uma criança comum e ele me ama também do seu jeito estranho.
Vera Vilela