ESQUINA DO MEDO
A casa ficava em uma das esquinas da praça principal. As crianças só passavam pela calçada do outro lado da rua. Quando passavam em frente da outrora luxuosa mansão, faziam rapidinho o sinal-da-cruz. Pelo sim, pelo não, estariam protegidos. Apesar disso, a casa era uma distração para a criançada.
Contava-se que o homem que vivera naquela antiga mansão vendera a alma ao diabo para ficar rico. E que o Coronel Zé Pedro, logo depois de haver enriquecido, pouco a pouco foi ficando taciturno, misterioso. Vivia alheio à sua mulher, D. Eulália, aos seus dois filhos, Ricardo e Rubens e à sua filha, linda menina, Ana Rita.
D. Eulália, diziam, enlouquecera de repente. O Coronel Zé Pedro não a deixava sair de casa, para não dar margem a comentários e a mantinha prisioneira no quarto, que ficava no andar mais alto da casa. Contavam os mais velhos que, quem passasse em frente da mansão depois da meia-noite, via o vulto de D.Eulália na janela, penteando os longos cabelos castanhos e cantando uma canção triste, de partir o coração.
Um noite, seu canto cessou. Encontraram-na no dia seguinte caída no pátio dos fundos da casa, morta, ainda com a escova de cabelos na mão. O marido disse que ela se suicidara, atirando-se lá de cima. Mas a imaginação do povo preferia acreditar que fôra ele quem a jogara janela abaixo ou o próprio Anjo das Trevas, vindo buscar parte do lhe fôra prometido.
Depois da morte da mulher, Coronel Zé Pedro colocou os filhos e a filha no colégio interno e ficou morando sozinho na casa. Os anos se passaram e Zé Pedro entregava-se cada vez mais à solidão. Vivia atormentado. Comentava-se que não dormia, e uns gritos sub-humanos, que pareciam vir da casa do coronel, ecoavam noite adentro.
Em uma fria madrugada de agosto, numa sexta-feira, conta-se que a cidade toda ouvira gritos horríveis, os mais aterradores que já se havia ouvido. Ninguém ousou sair de casa. No dia seguinte, os primeiros que passaram em frente à mansão de Zé Pedro ficaram pasmos. A casa parecia haver-se queimado apenas por dentro, é o que dava para se ver da rua. Chamaram a polícia, que entrou na casa e encontrou Zé Pedro caído ao lado de sua poltrona, olhos abertos cheios de pavor. Estava morto. A causa mortis foi dada como infarto fulminante, mas o povo dizia que fôra o tinhoso que viera buscar a alma de Zé Pedro. Alguns lugares dentro da casa haviam sido tomados pelo fogo, mas a parte externa estava intacta, nem havia sinais de que iria desabar.
No funeral, os filhos tinham expressões indecifráveis no rosto. Só Ana Rita chorou. Com o rosário entrelaçado nas mãos, fazia-lhe preces em silêncio. Nenhum dos três se interessou em vender aquele patrimônio, que ficou ali, ao Deus-dará, tornando-se uma casa velha, em ruínas.
Depois da morte de Zé Pedro, nunca mais ninguém ouviu os gritos estranhos nas noites de sexta-feira. Mas a triste história continuou atravessando gerações, cada vez mais cheia de ingredientes macabros. Nunca se soube o que era, de fato, verdade, e o que era lenda.
Por essas e mais aquelas, a criançada passava em frente da casa com muita curiosidade e imaginação, mas ninguém chegava nem perto do portão. Para não dar na vista que estavam com medo, primeiro apertavam o passo e, de repente, disparavam a correr mais céleres do que competidores de olimpíada.
Dorcila Garcia