Um homem cai num buraco

Era um dia normal. Nenhum daqueles dias que você levanta de manhã e começa a dar tudo errado.
Torra demais o pão, o jornal não chega ou o despertador não toca.
Nada disso.
Apenas mais um dia, como outro qualquer.
Antônio caminhava em direção ao trabalho.
Como sempre fazia.
Seus pés já conheciam o trajeto e, talvez por isso mesmo, vinha tão distraído olhando a paisagem.
O que não esperava, é que naquele dia fosse cair num buraco.
Bem à sua frente. Mas ele não viu.
Simplesmente não se deu conta.
Quando deu por si, já era muito tarde.
Lá estava Antônio dentro do buraco.
Só conseguiu soltar um "puuuuuuuuutz!!!", que por sinal ninguém ouviu.
Para sua sorte. Não se machucou muito.
Apenas uns arranhões.
Falou pra si mesmo:
– Que bela merda! Tanta gente pra cair num buraco e isso acontece logo comigo?
Ouviu alguém dizer:
– Não. Não acontece só com você.
Assustou-se com a tal voz, pois naquele buraco só havia ele.
Foi quando olhou para trás, sem acreditar no que estava vendo.
Na sua frente, apareceram dois olhos grandes e uma boca.
E foi desta boca que saíram as últimas palavras.
– É isto mesmo. Você não é o único que cai num buraco!
Sem acreditar no que vê, Antônio estica o braço para tocar naquele rosto de terra.
– Ai! Você enfiou o dedo no meu olho!
Ainda incrédulo Antônio balbucia:
– Não pode ser. Caí num buraco, estou atrasado para o trabalho e ainda por cima o buraco onde estou fala comigo? Acho que vou desmaiar...
– Não, não desmaie! Eu vou te assoprar!
Fffffffffff...O buraco assopra em Antônio.
– Ah meu Deus! Além de o buraco falar, ele ainda assopra??
– Sim. Eu falo. Por que todos que caem aqui ficam tão atônitos com o simples fato de eu falar??
– Tem muita gente que cai aqui?
– Ih, se tem. Um monte de gente já caiu aqui.
– E saíram todos com vida?
– Sim. Mas a maioria achava que não ia mais conseguir sair daqui. Eu sou bem fundo. Não sou um buraco qualquer!
– Socorro!!! Socorro!! Alguém me ajude?
– Calma! Por que este desespero pra sair daqui? Poxa, fazia tanto tempo que não caía ninguém aqui. Faz tanto tempo que não tenho com quem conversar.
– O que você quer? Que eu fique pra sempre no buraco?
– Veja bem. Não é tão mal assim. Aqui você tá protegido.
– Protegido? De quê?
– Das pessoas que te incomodam e magoam, da vida que tanto te dá trabalho...
Antônio pensou por um momento.
– É verdade... Não! Você tá louco! Protegido?
– Claro. Aqui você tem sombra e, quando chove, água fresca! E, ainda por cima, eu sou bom ouvinte. Você pode me falar dos seus problemas que eu não vou contar pra ninguém.
– Ah meu Deus! Um buraco que fala e, ainda por cima, desmiolado! Socorrooooo!!!!
– Desmiolado não! Vocês pessoas é que são um tanto desmioladas. Vivem reclamando da vida, do trabalho, dos problemas com a família, da falta de dinheiro e blá, blá, blá... Vivem dizendo que querem sumir e quando caem aqui, querem voltar correndo lá pra fora?
– É verdade. Você tem razão. Mas o meu chefe vai me matar! Vive me chamando de mongolão e, justo hoje, que teria uma reunião importante, eu caio aqui? Finalmente faço jus ao apelido que ele me deu.
– Não vai matar se você ficar aqui comigo!
– Você é tão solitário assim?
– Nem tanto. Tem muita gente caindo no buraco. Mas a maioria se assusta e não quer falar comigo. Preferem sair e voltar para suas vidas.
– Mas é o que devemos fazer. A vida é assim mesmo. E cair num buraco não é o fim do mundo, por mais que possa parecer. Socorro!!!
Neste momento, uma mulher que por ali passava ouve os gritos de Antônio.
– Hei! Você está bem? Está machucado?
– Estou bem. Por favor, peça ajuda!
– Claro! Fique calmo, já estou chamando os bombeiros!
Antônio finalmente respira aliviado.
– Puxa! Até que enfim vou sair daqui!
– É. Mais um que se vai.
– Não fique chateado, Seu Buraco, mas o meu lugar não é aqui.
– Vai voltar pra me ver?
– Olha, voltar não, mas posso dar uma passadinha por aqui de vez em quando. Mas só lá em cima, tá? Aqui embaixo não quero cair mais.
O barulho de sirene dos bombeiros se aproxima.
– Não me leve a mal, mas apesar de todos os meus problemas, a vida lá fora me espera. E não é porque eu caí num buraco que vou me entregar.
Depois do resgate, Antônio volta à sua vida normal.
Porém, vez ou outra, as pessoas o vêem passando perto do buraco e conversando com ele.
Coitado, pensam, depois daquele dia, não foi mais o mesmo.
Acreditam que ficou meio desmiolado, por parar na frente do buraco e ficar falando sozinho.
Mas isso é o que elas vêem...

Sabrina Jung

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