COMO QUEM REZA, EU FAÇO GESTOS OBSCENOS
Sou Deivinha e sou portadora de uma vergonha tóxica. Envergonho-me do meu próprio nome: “Deive”. Sofro dessa agonia de ser gorda, feia e velha aos quinze anos. Sou tímida, acanhada, muito mais alta do que todas as meninas da rua. Carrego esse acanhamento como se carregasse meus próprios braços, minhas pernas. A vergonha é traço indelével em minha vida. Não sirvo para nada, não sou nada, não quero nada. Nos meus monólogos de todo dia, sou Deivinha inútil, não sei fazer nada. Errei em tudo, eu erro em tudo. O fracasso dorme comigo, na minha cama, meu travesseiro, minha penumbra. Olho-me no espelho da sala: sou horrorosa, sou gorda. Minha derrota é maior do que todas as minhas preces. Sou Deive, um ser humano amputado, essa vergonha me dói. O corpo verte secreções por todos os poros e eu choro, desfragmentada. Meu ser se descostura e se estilhaça em mil cacos, milhões de gotas. É como um sangramento interno. Eu, nessa idade, repuxo os cabelos para cima do rosto, quero me esconder. Envergo-me para disfarçar minha altura, para não me destacar entre as outras meninas. Eu inalo meu acanhamento como quem sorve uma droga. E, como quem reza, eu me masturbo com fervor, ao longo de cada desespero. Em meu corpo, se aloja uma gota de orgasmo e uma prece. Reboam palavrões e gestos obscenos em meu quarto, na cama, no meu travesseiro.
Dôra Limeira