Clamor desoprimido

Num pedaço de jardim Ela sorria como quem aguardava um final de outono.
Era melancolia. Nuvens leves demoravam-se propositalmente para proteger-lhe os cabelos dourados. E aquele momento se estendia sobre os rumos esverdeados do céu. Eram pastores. E eram melancolias e pastores com duas mensagens. Como cintilações a enlaçar-lhe a cintura. E eram raios e melancolias e pastores com três filosofias: não aceitariam ter vindo por nada, não voltariam de braços vazios, não estariam ali se não para tomar consciência de si mesmos.

E Ela disforme numa lenda entre o que lhe separava e definia o entendimento: "A fada lembrou de mim". E seus poderes não se haviam esgotado. Chamava todos as dádivas. Vieram dizer-lhe que eram todas suas. Uma para cada vez que não fosse. Outra para cada vez que fosse uma. Nenhuma para cada vez que uma fosse outra. E era uma e outra e nenhuma.

Levantaram-se os dias, as noites, as manhãs e as tardes. E todas as horas estavam submissas a Ela. Era Ela que se lembrava de quando era. E Ela se entretinha:
“Por que só uma partícula de sim dá um talvez a esta rua fria; uma súplica retida em cada rosto. Por que tenho, devo, não desisto, ouso – visto o desejo – não olvido, não atino, não consigo, exijo, faço meu coração de aço, imagino, não durmo, não digo não por que a dor dói a alma, a idéia, a fatia, o viço, a moldura da palma. Por que não sou e sou consagro o servo da ilusão, sorvo a obediência sem deixar o que me deixa natural o sorriso que mais sorrir me faz este mundo. Já não tece o pão parvo do povo. A noite imã já não toca. E, Deus! A dor messe já não bate para abrir o chão da gente que adormece o mais alto sussurro em abas fustigadas, o que possui e escuta, em alas pequeninas.
Abster-se de quem é de tanto, Senhor, como?
Argumentar o fio que brota, interpreta-lo à medida que chega; sem esperar, e esperando que ele próprio conduza a uma compreensão menos estranha, ou a um desentendimento não premeditado. Sou-vos grata, oh, alvos!”.

Tere Tavares

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