Imperador

Era uma vez um homem pacífico que era conhecido por toda a cidade por alimentar os pombos na praça central. Era conhecido por sua calma, correção e bom coração. Talvez por isso, era amigo de todos. Entre todos os pombos, havia um pelo qual tinha especial afeição, o qual chamava de Imperador, pois era belo, robusto e imponente.

Aconteceu que este homem, um dia, teve dificuldades financeiras, de modo que não teve dinheiro para comprar ração para suas amadas aves. Fez, então, um empréstimo com os sete irmãos. Estes eram os homens mais ricos da cidade, donos de vastas extensões de terra e grande variedade de negócios. Entre estes negócios, emprestavam dinheiro a juros.

Ao chegar a data do pagamento da dívida, ocorreu que Jeremias conclui não ter condições de quita-la, de modo que viajou para a casa de parentes. Ele temia a reação dos sete irmãos, conhecidamente brigões e muito duros na condução dos seus negócios. Apesar de serem muito amáveis, quanto não havia dinheiro envolvido. Jeremias também esperava, durante sua ausência, que não passaria de uma semana, obter o dinheiro necessário para resolver o problema.

Passado o dia combinado para o pagamento, os sete irmãos enviaram um mensageiro para chamar Jeremias a dar explicações sobre o atraso. Foi assim que souberam de sua viagem, o que os deixou furiosos. Jeremias havia deixado, com um vizinho, o recado de que retornaria dentro de uma semana, pois atenderia uma emergência familiar.

Um dos sete irmãos questionou sobre a alimentação dos pombos durante sua ausência e, em comum acordo resolveram alimenta-los nesse período. Cada irmão iria à praça durante um dia e daria ração às aves. Naquele mesmo dia, um deles fez o combinado e, dirigindo-se à praça, pôs-se a alimentar os pombos. No entanto, quando Imperador se aproximou, passando à frente dos demais, ele o chutou violentamente. O pombo voou longe com o chute, chocando-se contra um banco de concreto que lá havia. Gravemente ferido, ensaiava mover-se arrastando-se como podia, talvez buscando ajuda.

No dia seguinte, o outro irmão dirigiu-se à praça e pôs-se a alimentar os pombos, o que muito o agradou. Mas, vendo o pombo ainda a arrastar-se, o chutou, de modo que Imperador chocou-se contra a roseira, cortando-se nos espinhos que lhe furaram um olho. O sangue e o pó da terra cobriram a brancura da linda ave, que agora tornava-se uma figura horrenda.

Nos dias seguintes, os outros irmãos repetiram o ritual de atirar ração às aves e chutar Imperador, que resistiu bravamente até o último golpe do último irmão, onde deu seu último suspiro. A esta altura, todos fugiam dele, que estava completamente coberto de sangue, sujo, desfigurado e, mesmo assim, se arrastava assustadoramente.

Jeremias retornou de viagem dez dias após sua partida e dirigiu-se logo à praça para ver suas queridas aves. Elas voaram em torno dele saudando sua volta, como se quisessem brincar consigo. E ele ficou feliz por vê-las tão bonitas e alegres. Mas ficou triste ao ver, num canto da praça, uma pomba coberta de bichos.

Um passante dirigiu-se agitado ao seu encontro contando para ele o que ocorrera. Jeremias, ouvindo as palavras do amigo, pôs-se, então, a chorar incontrolavelmente, com as mãos cruzadas sobre o peito e caindo de joelhos no chão. O amigo, vendo aquilo, foi embora, sem que Jeremias percebesse, pois temia que um dos irmãos aparecesse.

Foi então que Jeremias dirigiu-se até o local de trabalho dos sete irmãos. O mesmo onde pegara o empréstimo, dias atrás. Com uma mala na mão. Chegando ao local, encontrou, por acaso, todos eles reunidos, conferenciando e, dirigindo-se a todos, pediu desculpas por ter partido fugindo ao compromisso que assumira. Tirou dos bolsos todo o dinheiro de que dispunha, tirou também o seu relógio e os óculos e os colocou na mesa mais próxima, juntamente com a mala que, então, abriu. Dentro da mala havia roupas, algumas quase novas, um par de sapatos – o único que tinha, pois estava descalço - e outros objetos miúdos. Disse que aquilo era tudo que possuía, e que se dispunha mesmo a dar da própria roupa que vestia, se eles achassem que poderiam vendê-la.

Um dos irmãos analisou o tecido de sua calça e camisa e disse que ficaria com eles e que descontaria seu valor da dívida. Jeremias tirou as peças oferecidas e aceitas e as colocou na mesa, junto com os outros objetos. Disse, neste instante, que não descansaria enquanto não pagasse tudo o que devia e que nunca mais fugiria a seus compromissos, a que os irmão acenaram positivamente com a cabeça. Um deles, então lembrou a Jeremias, que eles haviam alimentado os pombos na sua ausência e que achava que ele deveria ressarci-los desta despesa e mesmo agradecê-los por esse gesto humanitário.

Jeremias reconheceu a ação positiva dos seus credores e muito agradeceu, concordando em somar essas despesas ao total de sua dívida para com eles. Então, outro irmão lembrou Jeremias que, quanto mais demorasse a pagar, mais juros pagaria, mas que não cobrariam nem um centavo além do que era justo. E Jeremias acedeu reconhecendo a correção da sua atitude.

Quando Jeremias se dirigia até a porta de saída, outro irmão levantou-se e lembrou o que fizeram a Imperador. Disse que lamentava tudo aquilo, mas alguém tinha que pagar pelo seu erro, uma vez que ele se ausentara. No final, Jeremias é que seria o responsável pelo sofrimento e morte do seu querido amigo que, se não fosse preferido de Jeremias, nada teria sofrido. Aquilo deveria servir de lição a ele, para que não repetisse o mesmo erro.

As lágrimas invadiram os olhos de Jeremias que afirmou ter aprendido a lição e que assumia toda a responsabilidade pelo que aconteceu. Outro dos irmãos, levantando-se, afirmou que era bom mesmo que tivesse aprendido a lição. E outro irmão levantou-se alertando Jeremias para que não fugisse novamente de seus compromissos, para que outros não sofressem em seu lugar.

Jeremias acenou afirmativamente com a cabeça e saiu dali, impossibilitado de falar e convulsionado em lágrimas de tristeza por Imperador e pela humilhação a que tivera de se submeter. Ele era artesão e pôs-se a trabalhar dia e noite na madeira, produzindo obras de uma perfeição assustadora! Esculpia pombos parecidos com Imperador que pareciam ter vida na expressão do olhar.

A cada peça que vendia, levava o dinheiro para os sete irmãos, que agradeciam sorrindo-lhe amigavelmente. Vestido somente com um calção ficou Jeremias, até vender a última peça e, assim, quitar sua dívida. Neste ponto, turistas e comerciantes locais cobravam por novas peças, todos prometendo que sua arte era inigualavelmente bela e que ele poderia pensar grande.

Mas, Jeremias trabalhava somente para Imperador, cuja beleza não cansava de retratar a partir da imagem que guardava na memória. E assim fez, hora após hora. Dia após dia. Ano após ano. E, assim, comprou novas roupas, alimentando seus amados pombos e celebrando a memória daquele ser inocente que tanto sofrera em vida por um erro seu.

Djalma Silveira

« Voltar