A ARMA DE CADA UM

              – Eu andava solteiro, aí conheci a Diva, mulher bonita, loura, os homens endoideciam ao vê-la passar pelas ruas de Cruz das Almas. Mas Diva era uma dessas mulheres, como se diz, perdidas. Ganhava a vida assim, indo com um e com outro. Contudo, não se gastava, conservava o charme, a altivez, a postura. Sabe aquela atriz do cinema americano, a Marilyn Monroe? A Diva parecia-se com ela. Mulher bonita!
             – Quem? A Marilyn?
             – Também, também, mas a Diva... ah, bonita igual a ela, nunca vi.
             – E o que aconteceu com a Diva?
             – Tirei-a da rua. Levei-a para morar comigo.
             – Casou-se com uma mulher da vida?!
             – Casei-me. Ficamos juntos um ano e seis meses. Pensei que a Diva endireitava, mas... sei lá... talvez o destino de certas mulheres seja levar essa vida mesmo. A Diva me traiu com o Nestor. Peguei-os na minha cama. Dupla infeliz.
             – E você, o que fez? Matou-os?
             – Nada! Ia lá me sujar com dois perdidos!
             – E então?
             – "Vistam-se," disse-lhes, firme. "Vamos, rapaz, não tenha medo. Não vou te matar." O cabra ficou assustado, tremia igual vara verde. "Venha tomar café, você deve..."
             – Convidou-o para tomar café?!
             – Foi o que eu disse.
             – "Venha tomar café. Você deve estar muito cansado, precisa alimentar-se. Venha, vamos à mesa. Você também, Diva."
             – Foram à mesa comigo. Botei-os na minha frente. Não se pode confiar, gente que trai é um perigo. Botei-os na minha frente. Apontava o revólver para os dois.
             – Revólver?! Você tinha um revólver? Por que não os matou?
             – Ah, menino, você ainda é muito novo, não sabe onde reside a sabedoria do homem.
             – Eu não sabia que existia a sabedoria do... do...
             – Vai, diz. Acostume-se logo com essa palavra. Todo homem tem de estar preparado.
             – Eu, hein. Bem, o que fez com os dois?
             – Nada.
             – Nada?! Você não fez nada?
             – Não. Tomaram café. Disse a ele, apenas: "Olhe, rapaz, a Diva vai com você, ela vai ser a sua mulher, e ai de você se fizer algum mal a ela." Falei isso só para meter medo nele, a Diva era uma pobre coitada. "Levantem-se" disse-lhes. "Tome", e passei meu revólver a ele.
             – Endoideceu!
             – Nada. Eu sabia o que fazia. Disse-lhe: "Tome, leve este revólver, você pode precisar. Tem dinheiro para o transporte? Não? Então tome aqui dez contos." E se foram.
             – E aí?
             – Aí eu continuei levando minha vida. Até que, um dia, quando eu passava em frente à cadeia de Santo Antônio, alguém chama meu nome.
             – "Seu Manuel Jorge, seu Manuel Jorge, lembra-se de mim? O senhor tem um cigarro para me dar?"
             – Era o Nestor. Espiava a rua através de uma grade de ferro, retangular e minúscula. Lá estava Nestor, preso. Tirei um maço de Hollywood do bolso, aproximei-me da grade e passei-lhe o cigarro. Perguntei:
             – "O que lhe aconteceu, Nestor?"
             – "A Diva, seu Manuel, a infeliz fez comigo o que fez com o senhor. Peguei-a na cama com outro; matei os dois com aquele revólver que o senhor me deu. Estou vingado. Estamos vingados."
             – "É, Nestor, estamos vingados", disse-lhe. E saí andando, livremente.

Flamarion Silva

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