Um café , um encontro
Gotículas escorriam pelo vidro da janela. Lá fora uma tarde ia adormecendo sobre o tom cinzento do céu. O vento fazia com que das árvores folhinhas caíssem sobre a calçadinha que levava até o café. Estava frio, não o suficiente para afastar os clientes do delicioso aroma que vinha da cafeteria. Brincando com o enfeite da mesa, Milena distraia-se ora observando as pessoas no café ora percebendo o movimento da chuva lá fora. Estava esperando uma amiga, iriam planejar a viagem de férias tão esperada. Enquanto aguardava sua companheira, ia mentalizando o que iria fazer neste intervalo entre os preparativos e o dia do embarque. Da bolsa tirou um papel e com um lápis foi fazendo uma lista e riscando alguns ítens. Permaneceu assim por alguns instantes.
A porta da cafeteria abriu-se e com passos decididos e esfuziante uma loira de olhos cinzentos se aproximou da mesa de Milena, falando com uma voz calma mas firme: — Então pronta para a nossa fuga?
O sorriso de Milena confirmou a cumplicidade. Ambas iniciaram seus planos e entre um café e outro foram traçando o roteiro de suas férias.
Do outro lado da cidade, no trânsito apinhado de veículos estava um rapaz dentro de seu auto, tentava afastar a irritação ouvindo do rádio uma melodia suave. Entre o buzinar e as reclamações de alguns motoristas, ele olhava o celular. Esperava logo chegar em casa, precisava de um bom banho, comer algo e dormir. O dia havia sido difícil . Queria relaxar e esquecer por uns instantes do trabalho no escritório. O trânsito iniciou seu fluxo, Daniel desligou o rádio e fixou-se no caminho a seguir. Depois de muitos desvios chegou no edifício. Ao subir os degraus que levavam ao seu apartamento tão desejado o celular toca. Ao atender do outro lado uma voz feminina dispara como se fosse uma metralhadora. Daniel entra no apartamento, segurando o celular com uma mão e com a outra jogando o casaco do terno e a maleta no sofá. Tenta acalmar a voz enfurecida no celular. Após alguns minutos desligou o aparelho e dirigiu-se ao chuveiro. Sentia-se cansado, pressionado e louco para esquecer tudo, virar a página.
— Poderiamos alugar um carro e seguirmos até Natal o que achas? Comentava Simone, mordiscando um bronwie de chocolate. Não sei, porque não ficamos em Fortaleza e de lá vamos a Jeri e depois sim alugamos um carro? — disse Milena. Simone, um pouco contrariada, abanou a cabeça e dirigiu-se ao banheiro. As duas eram amigas desde a infância, mas Simone era sempre quem dava a última palavra em tudo, pelo menos achava isto. No banheiro passava o batom e ajeitava os cabelos, olhando-se no espelho, admirava-se, era bonita e sabia que por onde passasse os olhares eram sempre para si. Seus namorados não duravam muito tempo, mas eram sempre homens bonitos e bem colocados socio e econômicamente. Já com Milena os namoros não eram muitos e ela sempre saia com homens simples que quase sempre não podiam levá-la a bons restaurantes e a ótimos teatros.
Milena estava pagando a sua conta quando lembrou-se que precisava comprar algo para casa. Pediu a amiga que a acompanhasse até uma loja no shopping. Enquanto as duas dirigiam-se a saída um homem apressado esbarrou em Milena deixando cair um cartão. Quando ela o chamou ele já tinha dobrado a esquina. Lendo o cartão percebera que era de um corretor, Daniel, o número do celular e escritório. Guardou-o na bolsa e seguiu seu caminho. A chuva estava firme , o vento havia diminuído.
A chaleira apitava endoidecida avisando a Daniel que estava na hora do café. Ele mal havia se arrumado e ia tentando se concentrar no que deveria fazer logo a seguir. O celular estava desligado, não queria ouvir a voz de Maura pela manhã tão cedo. Precisava logo dar um jeito nisto. Descendo as escadas do condomínio ia mentalizando o seu dia. Iria mostrar um condomínio pela manhã a uns clientes e o almoço seria com alguém que ele não lembrava o nome e a tarde junto com seu sócio iriam a uma reunião. Tudo correria muito bem e a noite iria jogar com a turma do tempo de escola. Todas as quartas eles se reuniam. Era sagrado. Nada o demovia disto. Nem Maura!
Chegando ao escritório, foi logo abrindo o micro, lendo e-mails, conferindo arquivos, ia compenetrado, seu sócio ainda não chegara. Ligou o celular, foi ao banheiro, de lá ouviu a chamada do aparelho Ao retornar fez uma ligação. Do outro lado uma voz aguda atendeu. -Muito bem!O que você vai arrumar hoje para não nos vermos?Dizia a voz fria e ferina. Ele tentava se desvencilhar. Conhecera Maura a um ano numa festa de despedida de um amigo. Saíram algumas vezes. Gostara dela, do seu corpo, era inteligente, mas exigia exclusividade . Daniel estava se cansando.
Milena digitava um relatório no micro, precisava enviá-lo ainda pela manhã. Foi até a cozinha do escritório , preparou um sanduíche e o devorou como se fosse um esplêndido almoço. Estava economizando para a viagem , não pretendia fazer muitos gastos. Todo o dinheiro que conseguia juntar guardava-o para as férias. Depois de três anos sem tirá-las, conseguira enfim organizar esta com Simone. Voltou a cadeira e de frente para o micro lembrou-se de algo, ao remexer na bolsa deu de encontro com o cartão daquele homem apressado na saída do café. Ficou ali pensativa, pegou o telefone e ligou. Uma voz bonita e cordial atendeu. Ela perguntou sobre um edifício que vira num anúncio qualquer. O homem do outro lado iniciou um curto relato sobre os imóveis. Ao se despedirem ela combinou uma visita.
Daniel desligara o telefone e fora atender o novo cliente. Se a moça que acabara de ligar fora uma possível compradora seria um bom negócio. O condomínio que ela pedira era de luxo e ficava em um ótimo bairro.
Pegou o carro e seguiu rumo ao seu cliente cantarolando uma melodia.
No apartamento Milena olhava as possíveis roupas que levaria na viagem e percebera que precisava de roupas novas, mas com o pouco dinheiro que tinha e suas economias para as férias teria que usar as antigas mesmo. Fechou a porta do guarda roupa fazendo uma careta e seguiu ao chuveiro, iria sair, iria encontrar-se com o rapaz da imobiliária. Vestiu uma blusa azul e uma calça de brim com bordados na lateral, colocou uma sandália preta de salto alto. Fez uma leve maquiagem , deixando seus cabelos soltos. Era bonita, suave, precisava-se olhar mais atentamente para percebê-la.
Da vidraça da imobiliária Daniel avistou uma moça alta, magra, aparentemente de unsvinte e sete anos caminhando suave pela calçada em direção a ele. Com um sorriso amigável ele a recebeu, conversaram e a seguir rumaram ao condomínio de luxo. Lá Milena observava o quanto faltaria para ela poder adquirir um daqueles apartamentos. Silenciosamente ouvia do rapaz as disponibilidades do conjunto. Enquanto Daniel ia descrevendo os apartamentos ela o examinava. Moreno, alto, olhos castanhos amendoados, deveria ter uns 34 anos, não era bonito mas possuia charme. Deveria ter alguma namorada, mas não parecia ser dado a farras, deveria ser discreto. Ela não compraria o apartamento, mas sairia com ele sem dúvidas.
Quando chegaram ao salão de festas do condomínio, após várias trocas de informações ela decidiu que por ali já bastava e o convidou para um café. O que ele de imediato aceitou. Pois também gostara dela. Notara a sua sensualidade e precisava muito esquecer de Maura.
Dirigiram-se até a mesma cafeteria onde ela o havia “conhecido”. Escolheram uma mesa perto da entrada. Ao canto um rapaz com seu violão tirava alguns acordes. Haviam poucos clientes, ainda era cedo. Iniciaram a conversar. Ela comentava sobre o seu serviço e a possível viagem. Ele sobre seu apartamento e o escritório. Sentados ali por horas trocando confianças. Ao som do violão e ao sabor do cappuccino iam traçando planos para um novo roteiro, o de seus corações, rumo a viagem que somente os amantes conhecem.
Violetta (Maria Lucia)