UMA VISITA INSÓLITA

Naquele lugar, parecia não existir vida. Tudo se movia em câmera lenta. As crianças brincavam, mas era difícil esboçarem um sorriso, e os velhos permaneciam sentados, mirando o horizonte horas sem fim. Nenhum som, e, dificilmente, o sol chegava a despontar. Nuvens eram uma constante naquele cenário monótono de uma cidade sem nome.
Socorrinho pegou sua caneca e encheu-a com água da moringa, enquanto os mosquitos picavam seu corpo já cansado da lida aos sessenta anos. Preparava-se para dormir quando viu que, sentada no chão, junto à  porta, uma mulher a olhava.  – Que vida, hem, Socorrinho? Valeu a pena? 
Socorrinho, assustada com a presença da desconhecida, falou: – Quem é você? – Isso não  importa, respondeu a visitante. Fale  sobre  sua vida, conte  todas as suas  alegrias e tristezas. Vim em  missão de paz. Acalme seu coração, em nome do Senhor! – Olhando para o cordão com pingente em forma de foice que a mulher trazia no pescoço, Socorrinho estremeceu. Qual seria o significado dessa foice? – pensou. No entanto, aquiesceu, tentando narrar suas venturas e desventuras. Falou sobre sua infância de  menina pobre, abandonada pelos pais e criada pelos avós irascíveis, sua adolescência coroada por uma fileira de filhos de pais diferentes que, à medida que o tempo passava, foram se perdendo nos descaminhos da vida. Só, pobre e triste, não contabilizava nenhuma alegria. Revivia com intensidade todas as suas dores. Parecia que, a qualquer instante, seu coração se rasgaria por conta das pesadas recordações.
Uma estranha ventania  chegou, derrubando  a frágil janela de seu quarto, o que a fez acordar. Levantou-se com extrema dificuldade, não entendendo o cansaço que a tomava. Passou as mãos pelos cabelos para conter os fios que, tinha a impressão, estavam revoltos devido aos fortes ventos. Espantou-se ao sentir apenas o couro cabeludo. Pegou, afoita, um caco de espelho para ver o que tinha acontecido com suas tranças, e o que viu ao mirar-se foi  uma imagem semelhante à de sua mãe, que morrera aos cem anos, sem um fio de cabelo e encarquilhada.
Naquela noite, após a insólita visita, Socorrinho envelhecera anos no tecer de tantas amarguras. Teria tudo aquilo sido  real, ou um sonho, um delírio? Como teria a mulher entrado e saído de sua casa sem que percebesse? Estaria adormecida ou embriagada para  agora estar tão confusa? Perplexa, percebe o colar com pingente em forma de foice sobre sua cama.

Belvedere Bruno

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