DANILO NUMA SEXTA-FEIRA
Apagou o sétimo cigarro. Passava das onze da noite. Da janela do pequeno conjugado na Lapa avistava o intenso movimento nas ruas. Estava há horas na Internet e descia a cueca para câmera a cada tentativa desesperada de arrumar uma parceira para o sexo.
Foi uma semana difícil para Danilo. Odiava trabalhar no açougue do supermercado em meios a homens decreptos e rudes. Ninguém desconfiava dele ali. Em casa, em sua minúscula sala, podia ser outro e então se tornava apenas: Açougueiro no cio, na sala virtual.
Sua infância em Pernambuco denunciava a pele morena e o castigo recebido do sol na infância pobre. Mas Danilo fascinava a todos com seus belos olhos azuis. Gostava de seduzir, fosse homem ou mulher. Tinha um prazer imenso em perceber o outro se levando pelos seus encantos. Mas queria mais para um fim de semana. A cueca branca apertada exprimia seu sexo, enquanto ele tentava em vão mais uma caça naquela noite de sexta-feira.
Salto alto.
Isso fascinava Danilo. Quando criança ficava admirado com os saltos da madrinha. Uma mulher elegante, mesmo em 45anos, sempre maquiada e que gostava de falar o bom português. Madrinha Dolores, como Danilo costumava chamá-la, era assim: classuda. Durante uma festa, na casa da madrinha, o menino então, roubou um par dos seus inúmeros sapatos de salto. Ele costumava se trancar no quarto e calçar os sapatos. Com isso sentia-se superior, uma sensação de liberdade o tomava por dentro. Porém,quando a mãe descobriu tratou logo de contar ao pai, que por sua vez, pensando que o filho era veado, deu-lhe uma surra de chicote trançado. Danilo dormiu chorando, furioso, mas a sonhar com belos pares de sapatos de salto alto. Todos coloridos, em mulheres diferentes.
E no fluxo do sonho, os sapatos o acatavam.
Anos depois, numa sexta-feira ainda em Recife, o moreno saiu pela rua e tão logo cruzou a Avenida em frente à praia da Boa Viagem, viu um belo par de sapatos de salto na vitrine. Ficou em êxtase, sem chão. Abordou a vendedora, teceu vários elogios e pediu que ela mesma o calçasse, assim ele a levaria para passear de jangada em Porto de Galinhas. A moça não resistiu aos encantos do moreno. Horas depois foi encontrada morta, com um pé cortado e outro com um par de sapato de salto. Um pescador o denunciou. Danilo negou o crime e conseguiu fugir para o Rio de Janeiro.
No início morava com a tia em Cordovil, subúrbio do Rio de Janeiro. A velha era irmã de sua mãe. Aposentada vivia para igreja. Católica, apostólica e romana, logo tratou de encaminhar Danilo para a casa do Senhor. Durante a missa, o açougueiro observava as mulheres. Cada uma, a seu modo, se calçava de um jeito diferente, com lindos sapatos, modelos importados, glamourosas. Seu membro se contorcia enquanto o padre rezava Ave-Maria. Fechava os olhos e podia ver aquelas mulheres castas, outras casadas, solteiras, diferentes mulheres, todas de salto a pisoteá-lo. De salto alto e nuas. E dançavam para ele, provocam com o pisante. Esfregavam o sapato ao seu sexo. Sentiu o pau latejando na calça. E gozou quando o padre disse:
Amém.
Não suportava o falatório da tia que todos os dias o lembrava de conseguir um emprego. Muito conhecida no bairro, a gorda senhora pediu a um amigo que arrumasse um emprego para o sobrinho em seu açougue na Lapa. O pernambucano gostou da ideia, por se livrar do traste velho da aposentada. Nunca mais voltou a falar com a tia. Soube depois por parentes que a beata morreu enquanto rezava uma novena e tudo que conseguiu dizer foi:
Bem feito.
O calor do verão no Rio de Janeiro deixava Danilo mais excitado e vivia como um cachorro no cio. Sentia necessidade de sexo todos os dias. Não importava o tipo de homem que aceitasse ser submisso a ele ou a mulher que calçasse um belo par de sapatos. Mas o instinto de Danilo sempre pedia para cortar um dos pés da vítima. Toda sexta-feira, era a mesma rotina, escolher alguém para morrer. O açougueiro acreditava ter o dom de aliviar os problemas das pessoas e começava a investigar o outro nas suas poucas palavras. Dizia apenas o que a vítima queria ouvir. Ainda criança em Pernambuco pegou um gato do vizinho, amarrou numa corda e jogou o bichano de uma árvore. Questionado sobre a maldade, apenas respondeu:
Queria ver se ele tinha sete vidas mesmo.
E ria ao ver o gato morto ao chão.
A cada noitada da Lapa, uma noite de sexo intensa e um par de sapatos. O moreno levava as vítimas até o aterro do Flamengo e lá esfaqueava, cortava um dos pés e jogava o corpo no mar. Aliviado Danilo voltava para casa e guardava no freezer a pequena lembrança. Gostava de admirar a coleção de sapatos. Cada pé lembrava uma história para Danilo. Para satisfazer seus desejos, ia para o quarto, calçava cada pé de sapato e depois fotografava. Lembrava a doce madrinha em Pernambuco. Tomava mais uma lata de leite condensado. Misturava o doce aos resquícios de sangue e gozava. Mais angustiado... Tesão á flor da pele... Toda sexta-feira era assim. Vestiu um short da academia e saiu para a rua. Entre os passantes nos Arcos da Lapa, parecia que todos diziam: Trepa comigo.
O açougueiro gostava de respirar o ar puro da noite e deixava o sexo solto no velho short a provocar os travestis e prostitutas do local. No outro lado da rua uma loira que atravessava a Avenida lhe chama atenção. A bela possui uns 25 anos, corpo malhado, calça Gang, um par sapatos de salto alto. A moça sorri para ele. O moreno puxa conversa e a convida para seu apartamento. A loira se diz curiosa. Caminharam para o apartamento do açougueiro.
Na semana seguinte, mudou-se para o bairro da Penha.
Pensava seriamente em constituir uma família com a loira. A moça encantada com a delicadeza e o romantismo de Danilo, fazia todas as suas vontades. Sempre que Danilo estava por perto fazia suas tarefas domésticas nua e de salto para delírio do açougueiro.
Sentados no sofá da sala, assistiam TV, onde anunciavam a descoberta da identidade do serial-killer do Aterro do Flamengo. A polícia dava como certo o fim de um grande mistério, o jornais noticiavam a prisão de um mendigo, com objetos das vitimas. O mendigo jurava inocência, mas o delegado afirmava com convicção que o caso estava encerrado.
Abraçado à bela loira, o rapaz apenas comentou:
Isso não é coisa de Deus.
E começou a beijar os sapatos de salto da moça.
Francisco Malta