Navegávamos no mesmo barco. Ao sinal das primeiras chuvas, porém, alguém gritou de estiberdo: cada um por si e Deus por todos! E vários, a essas palavras de comando, foram para o diabo que os carregasse.
Em seguida formou-se realmente uma tempestade, que ali ficou bem caracterizada a partir do momento em que a embarcação esteve próxima de um naugrágio. Se estivesse Jesus a bordo, dormindo no porão, sem dúvida alguma teríamos ido chamá-lo, mesmo sob o risco de sermos tachados de homens de pouca fé. Foi quando outra parte dos companheiros também bateu em retirada, tomando os escaleres e procurando se afastar com remadas rápidas.
Afinal éramos três ou quatro recalcitrantes, e nossa nau singrava águas azuis, já desfeito o perigo imediato de um desastre. A essa altura, não sei se dormi, ou se foram sereias que com seu canto lançaram-nos uma modorra imprópria para navegantes. O fato é que, ao abrir os olhos, já não vi mais ninguém, e pude constatar que estava só no barco. Calmamente subi {a gávea e, firmando a vista, notei à distância um porto, para onde dirigi a proa.
Navegávamos no mesmo barco, que se chamava Amizade.
***
Cheguei sozinho ao cais e busquei, confraternizando com as prostituas que lá estavam, esquecer os companheiros que abandonaram a nau.
Walter Cabral de Moura
Do livro: Livro dos Silêncios, Ed. autor, 2000, Recife/PE