No banco...
Eu passei por ela, ela nem me viu ou fingiu que não via. Fui pagar minhas contas, dei de cara com a moça empertigada, segurando uma blusa azul de fino trato, um sapato de cristal ou quase e um sorriso leve no rosto. Dava gosto de olhar, era só virar a cabeça assim, sabe, de tal forma que aquele que se quer ver lhe apareça no campo de visâo, sem notar que é olhado. Enquanto isto, a caixa devora meus centavos, o dono fica uns trocados mais rico, o banco se enche de gajos de contas e sobretudos. Sobretudos! Palavras secas ; como ela é bonita, assim com olhos claros, a pele cheia de sardas. Cabelos de cobre, ela nem me olha e descobre, só sabe de si e da espera. Pensei em fazer uma festa, dar o ar da presença, ela qual o quê, fiel, educadamente cede a vez. Está sentada na última fila, altiva, os olhos extáticos num lance de escadas, talvez de lá saia o príncipe, talvez surja dali um sortudo cheio de siso. E minhas contas? Não se acabam, eu de tanto olhar tenho dor ao pescoço, cuidado moço, pode quebrar, insinua a menina do caixa. Pode quebrar!
– Que dia mais quente!
– Põe quente nisto.
– Penso em derreter, mas não posso. Há tudo isto a fazer, há obrigações reajustáveis do Tesouro, a pagar.
– Verdade!
– Escute. Aquela moça vem sempre aqui?
– Coitada; vem todo dia, a esta hora.
Não paga nada? Quer dizer, fica ali?
Foi aí que eu soube que ela se enamorara de um dos moços dali mesmo; fora ali que se perdera para o mundo, fora dali que ele partira numa viagem sem volta, era ali que ela vinha sempre, vestida do mesmo jeito, sempre na mesma hora. Bem notei que seus olhos flutuavam, bem soube que caminhava ali um coração despedaçado. Perdi minhas esperanças, paguei o que me restava, virei as costas para a minha interlocutora. Olhei a moça, que me olhava de um jeito diferente: Porque, agora, quem ia partir de repente, sem volta e sem recusa, era eu. Quem sabe fosse eu sua quimera? Ela, firme, olhos atentos, agora me filmava com os holofotes. Quem sabe simpatizara? Passei perto de sua morada, estendi a mão direita: Não é que ela se ergue, sorri e finalmente, volta para o mundo e diz:
– Se tem de ser, me leva pra longe do Abismo...
Flavio Gimenez