No silêncio da noite
“antes que o dia arrebente”
(Soy loco por ti América)
Todo dia ela regava as flores mortas: margaridas, monsenhores, brancas, amarelas, quase podres.
Com cuidado e emoção. Depois vestia a camisola de renda esperando a chegada que não acontecia, o telefonema esquecido, o celular mudo na varanda, sob o céu estrelado de verão.
Inverno passou, primavera, lilases,
Flores do campo enfeitando a volta.
Toda noite dormia com a janela aberta, enfeitada de céu, cortinas voando inúteis.
Acordava com os galos, tomava o café ansiosa, olhando a estrada
Soy loco por ti América, o fogo de conhecê-la, de conhecê-lo... antes que o dia arrebente
Lavava a louça devagar, a espera é vagarosa como óleo. Passava o pano na pia, lustrava móveis, espanava, varria.
Janela emoldurava a estrada longa, o céu azul.
Regava as flores num ritual pesado. Horas passavam atropelando minutos, segundos, cheiros, perfumes.
Apanhava o baralho e lia a sorte: ele vai voltar.
Com a esperança renovada, tomava banho, lavava o cabelo, pintava cuidadosamente as unhas vermelhas e longas (ele gostava)
Depois o blush, o batom, contorno nos olhos.
E o vestido amarelo (seu preferido).
Lentamente, envelhecia sem sentir, regava as flores murchas, abria os armários empoeirados, esfregava, limpava, olhava a estrada vazia.
Soy loco por ti América... do fogo de conhecê-lo
As estrelas brilhavam quando ele chegou. Acordou assustada, o vento batia as janelas, porta se abriu de repente.
Entrou, sentou na mesa, pediu comida.
Ela foi preparar com o sol nos dentes, enjoada de vida. As flores se abriram devagar como seu coração.
Jogou água na panela e olhou a estrada longa.
Do fogo de conhecê-lo
Ajeitou o cabelo no espelho, passou batom, sorriu.
Esperou ele acabar de comer para enfiar a faca.
Antes que o dia arrebente
Do fogo de conhecê-lo
Maria Helena Bandeira