Casa Amaldiçoada
Em meados de 1972, numa cidade do interior gaúcho, morava uma família composta de sete pessoas: quatro filhos homens, três filhas, pai e mãe. Era de uma classe média e os filhos freqüentavam bom clubes e escolas.Sómente o pai sustentava a casa.Nas férias costumavam viajar e visitar parentes.
A casa sempre estava com visita que vinham de vários lugares e o padre da paróquia local costumava comparecer aos almoços de domingo daquela família de descendentes italianos.
Os dias transcorriam tranqüilos e os anos sem nenhuma modificação. A família italiana era barulhenta como tantas,mas normal.O chefe da família ia adquirindo bem e se tornando mais participativo na sociedade local,freqüentando reuniões com a elite.Destacava-se na profissão e era muito conhecido naquela pacata cidade.A família foi fazendo muitas amizades e o sobrenome era conhecido nas altas rodas.
Os filhos cresceram e tomaram seu rumo com a ajuda de pai, pois cada um queria ter seu próprio negócio. Com o passar dos anos, a vida começou a mudar:os filhos homens,agora adultos,foram criando problemas financeiros que o pai tinha que saldar para não ficarem com o nome sujo na praça.Dessa forma,a família foi se descapitalizando à medida que o pai pagava a dívida dos filhos.Estes fechavam bordéis na cidade,pagavam bebida para os parceiros e anunciavam que naquela noite o gasto era por conta deles.O tempo passava e o pai preocupado com os filhos e a dívida,começou a adoecer.As filhas mais velhas casaram e constituíram novos lares,mas restava a caçula,que gostava de estudar,ler e escrever.Passava os dias envolvida com livros e dava aula para as bonecas,não percebendo o que acontecia a sua volta:vivia sua vidinha de menina num mundo de fantasia.
Estudava em colégio de freiras, o melhor da época. Aos domingos,pela manhã,freqüentava igreja matriz e,à tarde,ia ao cinema com as amigas.Hoje,já não recebiam tantos convidados para almoçar,mas mesmo assim,a melhor porcelana e as taças de cristal na mesa.Essa família sempre primou pelo bom gosto.
Os homens também foram constituindo família; sendo assim, sobrava a filha menor, que agora é adolescente. O pai ainda pagava as dívidas dos filhos que,embora tendo seus negócios,recorriam a sua ajuda.Este,agora mais velho,já não possuía tanto dinheiro e seu crédito estava no fim,só restando as terras herdadas de seus avós para vender e assim foi feito.
Em 1972 só, restava à casa do centro da cidade para ser vendida e quitar a dívida dos filhos. Foi ai que tudo começou: a filha adolescente observava tudo sem se manifestar,até que um dia chega o futuro comprador e ela lança uma maldição sobre aquela casa.Dali em diante,todo morador não ficaria muito tempo na casa,pois coisas sinistras aconteciam à noite,quando todos iam dormir:portas e janelas eram abertas sem ninguém abri-las,ouvi-se vozes nos corredores e no pátio e caminhadas e gargalhadas nos cantos da casa.
Sendo assim, as pessoas não permaneciam muito tempo por ali. A casa foi colocada a venda e muitas pessoas passaram por ela.
Longos anos se passaram e, agora adulta, aquela menina do inicio da história entra novamente em sua antiga casa, agora como proprietária. Olha em volta e sorri,pois aquela linda morada era unicamente dela.Abre as janelas e procura por todos os cantos vestígios dos velhos tempos de sua infância feliz.Promete a si mesma que nunca irá se desfazer daquele patrimônio que o pai construiu.Hoje,seus pais já não existem e ela quer tornar aquela casa o símbolo de seu amor pelos pais.
Manda pintar a casa e plantar flores nos antigos jardins de inverno e verão e cuidar do grande pátio onde havia plantações de uva.
A casa amaldiçoada voltou a brilhar com sua proprietária que hoje abre suas portas para receber intelectuais envolvidos com a cultura da cidade, pois a caçula da família tornou-se uma escritora de sucesso nacional e internacional. O local é referência na cidade e sempre aberto para os amigos,sendo,assim,o término da maldição.
Vera Salbego