LÁ VEM A NOIVA
(porque a gente pensa que sabe tudo)

— Menina! Não seja teimosa. Pare de comer em panela, senão chove no dia do casamento.
Tia Firmina era mesmo assim, planejadora de casamentos e fazedora de enxovais. Quando comecei a namorar Roberto, mocinha ainda, a primeira providência de minha tia foi comprar tecido para o vestido de noiva. Ri muito. Lamentei tanto depois.
Meu grande dia havia chegado regado à tempestade, raios e trovões. Do lado de fora da Capela as crianças gritavam pra fazer pirraça:
— Sol e chuva casamento de viúva. Chuva e Sol casamento de espanhol.
Na porta, após estapear um dos moleques, tia Firmina olhou-me zangada, como se aquele fosse um mau presságio e eu, a responsável. Mas como? Eu havia feito tudo direitinho. Deixara de comer em panela. Virara a imagem de Santo Antônio de cabeça pra baixo e, por Deus! Ainda era virgem!
Não fiz caso e comecei a percorrer a Nave — toda orgulhosa — procurando meu noivo no altar. E foi aí que me deparei com os olhos mais negros de que já havia tido notícia. Eram olhos de lobo arrancando-me toda a roupa, intumescendo meus seios de menina, deixando meus pêlos à deriva dos maus pensamentos.
— Lá vem a noiva, toda de branco e debaixo da saia um tesão...
Não conseguia. Não me lembrava mais da brincadeira das primas.
Que vontade de correr daqueles olhos, daquela boca.
Que vontade de dar-me inteira, de desmaiar dentro daqueles braços e nunca mais ser eu mesma. Aqueles não eram os olhos azuis de Roberto, sempre tão bondosos e previsíveis. Eram negros, de fome declarada, passado nebuloso, futuro incerto, viagem sem volta. Olhos de aventura, de mar aberto, onde eu poderia navegar sem meus recatos de moça séria, onde a minha nudez seria selvagemente comemorada como o mais febril dos presentes.
Qual o quê! Outros olhos aguardavam-me ansiosos. Pra toda vida. Eram azuis.
Esqueci-me das brincadeiras, dos sonhos recém-adquiridos e tão cedo abortados. Escolhi o caminho sem riscos, o porto seguro que me aguardava sorridente ao lado do Padre.
Os olhos, aqueles negros, continuaram seu louco e despudorado passeio através do meu corpo virgem, enquanto eu, pobre de mim, uivava, sem saber que aquela queimação entre as pernas seria, para o resto da vida, a mais fiel das companhias.

Mariza Lourenço

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