ISSO É SINAL DE ALGUMA COISA

– Foi assim – ele disse. – Entrei na avenida Beira-Mar, logo no início, ali na UFSC, e tinha um carro na minha frente. Sempre tem um carro na frente do nosso. Ia para o Centro. Íamos para o Centro, os dois.

Mônica ouvia, atenta.

– Ela ia devagar. A gente está sempre meio com pressa, não é verdade? Mesmo que não tenha coisa muito urgente para fazer.

Eduardo mal conseguia esconder o tédio com aquela conversa:

– Ela quem, camarada?

– A mulher do Palio vermelho, Eduardo.

– Que Palio vermelho, Manoel Osório?

– Exatamente o carro que seguia na minha frente, devagar, dirigido pela mulher, quero dizer, por uma mulher qualquer, que não conheço e que jamais vi na vida.

– E isso era tão importante assim?

– Será, verás.

Mônica divertia-se com o duelo dos dois homens, seu marido e o amigo do casal. Manoel Osório, porém, apresentava sensíveis dificuldades para prosseguir contando o caso por causa das pernas monumentais da amiga, mal encobertas por uma minissaia covarde que agredia impune e ostensivamente um pacato cidadão apaixonado pela mulher do amigo e vizinho. Ainda assim, prosseguiu:

– Depois das compras, quando saía do Sacolão, tive que esperar três carros que vinham pela preferencial. Adivinhem: o Palio vermelho, a mesma placa, era o terceiro veículo, atrás do qual eu segui. Placa 18-35, não sei porque, reparei no número. Quer dizer, por coincidência é o número do telefone de um Osório do Sul primo meu.

– 18-35 não é número, é horário. Mas pode ser uma boa aposta para o bicho. Taí: vou jogar nele, eu estava mesmo sem palpite para hoje – considerou Eduardo.

– Valeu, mano. Meio a meio se der o prêmio. Vou ficar esperando a tua ligação.

– Fechado – concordou Eduardo. – Meio a meio, a Mônica é testemunha.

– Só que tem mais: uns quantos minutos depois, tive que subir a pé a Presidente Coutinho, duas vezes em pouco menos de uma hora. Na primeira vez, cruzei com um sujeito que eu não via há anos, um cara que conheço e vinha descendo a rua. Nos cumprimentamos rapidamente e seguimos adiante. Na segunda vez, adivinhem: encontrei o mesmo cara, na mesma situação, eu subindo e ele descendo, exatamente no mesmo lugar, na mesma calçada e na frente do mesmíssimo prédio. Ele não resistiu e me abraçou comovido, falando da extraordinária coincidência que era aquilo, e de como são fantásticas as coincidências na vida das pessoas.

Mônica deu um pulo na cadeira à frente do visitante, o que fez levantar a barra da sua saia. No caso, a barra da saia era praticamente a saia toda:

– Incrível! Essas duas situações, Manoel Osório, são excitantes! Chego a ficar toda arrepiada, olhem só - e passou as mãos pelas coxas, chamando a atenção apenas para o arrepio que supostamente lhe tomava a pele. – Como pode uma coisa dessas?

– Pois então – Manoel Osório não sabia onde pousar os olhos, já não bastassem aqueles resplandecentes pernaços bem à vista. – Como o meu amigo também se mostrou tão fascinado pela situação, contei-lhe do carro e lhe disse o número da placa. Ele ficou branco.

– 18-35 é a placa do meu carro – falou, gaguejante.

– Um Palio vermelho?

– Não, um Clio cinza. Aí também já seria demais, não é?

Eduardo não aguentou mais e saiu porta afora: "Vou jogar no bicho", anunciou. Manoel Osório olhou para Mônica, que ajeitou a beirada da saia e sentenciou:

– Tanta coincidência assim num dia só é o poderoso sinal de algo muito importante.

E riu:

– O diabo é que a gente morre e nunca vai saber que coisa tão fundamental seria essa.

Amilcar Neves

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