Marionete
Três da tarde. O homem olha longamente uma vitrine na rua movimentada. Passam as pessoas alvoroçadas, compras de Natal à cabeça: Esvoaçam vestidos, mãos soltas ao vento, passos nervosos e burburinho de vozes. Estoura uma champanha: Mais uma festa de amigos, tudo se condensa numa comemoração, risadas marcam alguma piada oculta; a moça, acabrunhada, abre seu presente de amigo secreto e descobre, despudorada, que seu melhor amigo quer ser seu amante. Risadas. Ela olha a calcinha minúscula e a sacode à platéia. E o homem, terno puído, olhos compridos, mãos ressequidas, congela na memória um palhaço de cerâmica; a loja é de enfeites de luxo, tem purpurinas, lustres e velas de lindos recortes. Logo, alguém da gerência nota seu olhar insistente. Um segurança já se destaca, em seu lento andar de ameaças e dura realidade. O homem está lá, absorto, vendo o pequenino palhaço de cerâmica, lábios vermelhos, chapeuzinho na cabeça, pequenos sapatos de couro sobre meias de seda brilhante. Tudo naquele bibelô é movimento, é capricho e ternura. Ele quase pode sentir o sonho que levou a surgir aquela estátua triste e frágil. Pode quase perceber a evanescência de sua própria presença, enquanto gesticula numa dança imaginária para o pequeno personagem de seu teatro oculto de marionetes. Ele se sente o próprio Gepeto, com seu filho postiço esboçando um andar inseguro e torto...
– Tá olhando o quê aí, velho?
Brutal, seca e aguda, a voz do segurança de olhos gelados lhe chega aos ouvidos. Ele olha o brinquedo, olha o inquieto rapaz que tem as mãos de ferro e ombros de touro contido.
– Estou repensando, como pude fazer aquele boneco tão delicado e deixar à mostra em tão linda vitrine se eu, que sou eu, não posso nem pensar em chegar perto do amor que criou este sonho e você, que é você, não passa de um reboco mal-feito de uma falsidade que já não existe de tão mau que é o mundo?
– Hein?
E o velho, de bengalinha à la Carlitos, já saltita de sonho em sonho enquanto o empedernido solta um traque fedido e comunica via rádio:
– Ô, da poltrona, se liga que o velho é o dono da loja.
A gerente, comunicada, já ficou azul de medo; mas ninguém está nem aí para com o idoso, que passa rente a um táxi maluco e sai da rua a tempo de não virar pastel de presunto, segundos antes de o farol se abrir para liberar a onda de motocicletas sibilantes que invade a Teodoro Sampaio.
Flavio Gimenez