Tínhamos, não sei porque nem quando, combinado que ele ia fazer meu retrato, mas nunca dava tempo e nenhum dos dois se organizava pra conseguir uma brecha na agenda. Um dia era ele que esperava a visita de um galerista importante, outro era eu que não acreditava em duendes e tinha de trabalhar. Enquanto isso, rodando como um fundo musical, uma euforia que ainda não era concretamente um tesão; mais parecida era com a excitação pela idéia de fazer o que jamais havia feito: posar para um pintor.
Nada que justificasse tanto alvoroço. Ninguém tinha combinado que eu deveria me despir para posar. Mas, lá no íntimo, já eu partia desse pressuposto. Querendo. Imaginando muito mais. Temendo.
Até quando nos encontramos numa festa. Ele veio conversar e baixinho, rouco, como se conspirando, perguntou quando eu poderia ir vê-lo em seu atelier.Olhei para os lados pra me certificar se meu namorado não estava nas proximidades e marquei dia e hora. Selamos o acordo.
Sem nada assumir, escolhi calcinhas de cetim verde escuro quase preto, combinando com um sutiã rendado. Meias novas e um figurino irretocável, sugerindo pecado. Banho, ao começar a me aprontar, perfume gostoso espalhado pelo corpo inteiro, inclusive entre os dedos dos pés. Surpresa me critiquei: Ainda não conseguiram pintar a imagem dos cheiros.
Consumindo-me em fantasias, depois de tanta preparação, ali estávamos um em frente ao outro. Ele, de macacão salpicado de tinta de todas as cores e ocasiões, mas o rosto barbeado e, se não me engano, exalava um leve cheiro de madeira perfumada como o dos perfumes da moda.
Foi me explicando como fazia suas próprias tintas, como com elas invadia as telas. Segurou-me com carinho pelo queixo, a luz do sol examinou meu rosto e minha mão, para decidir qual matiz seria o mais apropriado. Pôs-se a trabalhar, enquanto eu caladinha, sentada no único divã de veludo cor de maravilha, alisava o tecido, observando. Mais tarde veio conferir a tonalidade que encontrara para minha cor: entre cambraia e pêssego, comentou, quase inaudível. Em seguida, parecia que eu já não estava mais ali. Concentrava-se para esboçar-me.
Pincelava na tela meu rosto que não se parecia comigo de início para depois começar a parecer-se. Vinha e apalpava meus olhos com os polegares. Voltava ao cavalete. Olhava-me. Olhava a tela à distância. Examinava-me longa e lentamente; gesto sempre despudorado. Aproximava-se e me acariciava o nariz, medindo-o. Voltava a seu posto. Trocou de pincel, pegando agora um bem mais delicado. Desceu aos lábios de forma aplicada. Voltou a manipular as tintas numa paleta que trouxe para perto, e me explicou que estava inventando uma cor para meus lábios, descrevendo-os com gulosa luxúria. Experimentando a cor, passou o tímido pincel pelos contornos de minha boca, ato demorado, cuidadoso, ilícito; me deixando arrepiada, me obrigando a suspirar alto, quase me traindo. E para que ele não adivinhasse o estado de minhas calcinhas, fechei os olhos e o deixei servir-se, modular-me. Voltou à tela e depois de me pincelar à vontade, foi até a janela e decidiu que o sol já não mais o satisfazia. Continuaríamos no dia seguinte. Eu estava tonta. Rubra. Afogueada. Ele notou e indagou com cinismo se no dia seguinte eu conseguiria ficar como agora. Ria pelo cantinho da boca quando o deixei, respondendo: talvez.
Ao chegar o tal dia seguinte, ele tinha se adiantado e já desenhado meu pescoço. Contou-me que passou a noite inteira a fazer isso, me imaginando. Dizendo assim passava os dedos pelas minhas linhas, na tela, mais uma vez me arrepiando cá, me umedecendo lá.
Chegando perto ainda mais ousado, deslizou o olhar por mim inteira, descendo pela curva dos seios por entre o decote, adivinhando-os em tamanho e formato, desenhando-os demoradamente. Acariciava um depois o outro com o pincel. A partir daí me olhava com o rabo de um só olho, enquanto com a cabeça do polegar esfumava sombras em meus mamilos, que em mim se iam encolhendo, ficando durinhos. E ele a me fitar como se estivesse percebendo o arco-íris por baixo de minha blusa.
Acho que está ficando seca. Vou molhá-la mais. Estava se referindo à tinta. Deu lambidinhas nas linhas do pescoço descendo até um dos meus peitos em figura, enquanto passava os dedos pelo outro, com ternura.
O corpo dele se avolumava também me querendo, fazendo de seu macacão uma tenda armada, assim como o meu o queria, regando-se. Mas graças a diferença eu estava absolutamente confiante que ele não sabia do que acontecia em mim, pois meu corpo não se denunciava como o dele, assim. Maliciosa, ria do que nele se passava, e ele não podia se rir igualmente de mim por ser masculino, expressionista.
Foram muitas essas sessões entre tardes ensolaradas ou escuras. De todas elas eu saía excitada, sentindo um não sei o quê, que vinha não sei de onde, e doía não sei porque. Era tudo feito muito vagarosamente, prolongando os momentos. Fatalmente chegou o dia em que ele, já depois de ter me definido o umbigo e me acariciado o ventre com seus instrumentos, revelou minhas coxas e o que está entre elas, meu sexo, feixe das emoções mais fortes dessa vida. Me fez de pêlos louros e ralos, como sou. Me fez de pernas largas e abertas esperando sua visita, como estava. E para se certificar de que seria bem-vindo, acrescentou ao quadro duas gotinhas soltas descendo pela minha virilha esquerda, sugerindo já saber dos líquidos que de mim se geravam, mistérios da alma indiscreta que denúncia o querer feminino, cheio de ambivalências impressionistas.
Querendo comparar criação e criatura, quando o retrato ficou pronto, me pediu agora, finalmente, para tirar a roupa toda. Precisava ver-me. Eu precisava dele.
Nua, me conduziu pelos ombros, colocando-me ao lado da obra, na mesma posição da imagem. Como outras vezes já tinha feito, tomou distância para avaliar o resultado. Enquanto olhava para nós também se desnudava. Seu pincel, seu sexo, já se preparavam para o ato final. Foi só quando veio a completar esse seu trabalho, satisfazendo-lhe o último detalhe, imprimindo em meu dentro sua assinatura e no canto inferior direito do quadro, seu orgasmo.