Não foi muito digno da sua parte esperar a véspera do fim para me fazer uma revelação dessas. Você quer o que? Me levar junto pra onde quer que esteja indo? Onde esteve a sua lealdade durante todos estes anos?
Eu posso até te perdoar por ter comido minha mulher. Nós já não somos mais casados mesmo. Já estou até com outra. Mas você não podia ter me enganado este tempo todo. Foi este o seu maior erro. Como é que eu vou te dar um soco na cara se você tá mais pra lá do que pra cá em cima desta cama de hospital? Como é que eu posso ter raiva de você nestas circunstâncias?
O que fez não é prova de amizade. Seria caso você tivesse resistido, na época, à sub-reptícia sedução da piranha. Mas não. Você precisava me usar para aliviar a consciência, aplacar remorsos, morrer em paz consigo mesmo.
Por que não levou seu segredo para o túmulo?
A Cláudia não era mesmo mulher para mim. Sexo era praticamente tudo para ela. Enxergava a vida a partir deste enfoque, a cama, a atração física. Por não ser tão bonita quanto exigia sua vaidade, talvez por isto o sexo tenha passado a significar tanto para ela. Desta forma, podia manipular os homens, manobrá-los à vontade. Especulando com a buceta, como uma acionista da bolsa de valores.
Quando a conheci era ainda muito garota e inexperiente, mas em pouco
tempo tornaria-se uma especialista em "fellatio". Confesso que me viciei.
Não queria saber de outra coisa a não ser me deitar de lado
na cama e permitir que ela, suavemente, acariciasse meu pênis inteiro
com os lábios encharcados de uma saliva abundante e escorregadia.
É claro que eu nunca a beijava de novo depois disso. Seria como
chupar o meu próprio pau por tabela, idéia que me causava
indizível
repugnância.
Por isso, a hipótese de que ela fizesse o mesmo com você me desperta verdadeiro asco.
Quer dizer que era com este propósito infame que habitualmente se oferecia para deixá-la em casa? Vinha bem a calhar o fato de eu não ter carro e de vocês serem vizinhos, heim? Eu morava em Ipanema e vocês na Barra. Portanto, nada mais natural que, tarde da noite, depois de sairmos todos, juntos, para jantar fora, ir ao teatro ou cinema, ela pegasse uma carona com o meu melhor amigo e que ninguém visse nada de mais nisso.
Algumas vezes, ficava para dormir comigo, mas geralmente a gente só decidia em cima da hora. Imagino o quanto você não devia ficar na maior expectativa para saber, afinal, quem acabaria comendo a gostosa nas madrugas.
Francamente, só me resta esperar que todas as vezes em que ela engravidou e, em seguida, abortou, os bebês fossem meus. Já que fui eu quem acabei pagando do meu bolso, com toda a dificuldade. Pela insistência com que ela se recusava a deixar as crianças virem ao mundo, apesar de todos os meus apelos, era bem capaz de que ela mesma não estivesse certa de quem era o pai.
Não duvido muito que tenha sido por isto, por mera culpa, que você tenha sido um amigo tão presente e pródigo todos esses anos. Nunca me negou dinheiro emprestado quando precisei, nem cartas de recomendações para arranjar emprego. Fazia questão de pagar toda vez que íamos a um restaurante um pouco mais dispendioso.
Compreendo que você me julgasse um tolo contumaz por ter coragem de manter um relacionamento duradouro com uma mulher daquelas. Chegou inclusive a me advertir sutilmente quando nós estávamos começando a namorar. Mas o que eu podia fazer se estava viciado em transar com ela? Todo mundo sabia que não era amor o que nos unia. Nem amor, nem paixão. Outra coisa misteriosa fez com que ficássemos juntos tanto tempo. O que, não sei. Acho que só tesão é pouco para justificar. Afinal, tínhamos pouquíssimo a ver um com o outro e isto estava mais do que na cara. Mas, pelo menos, eu me livrei dela a tempo e você, meu caro amigo, para mal dos seus pecados, casou e teve filhos com a Fátima, que na verdade, não passa de uma espécie de Cláudia. Piorada ainda por cima.
Foi uma surpresa e tanto para todos, um casamento tão insólito e inopinado. Que ela estava dando para você, não era novidade nenhuma. Mas que engravidara e se negava a fazer o aborto por medo de morrer ou coisa que o valha, eu devo ter sido o último a saber. O que foi de espantar, quando menos por ser o seu melhor amigo. Você adiou o quanto pode me dar a notícia. Aliás, fui informado por terceiros, o que muito me aturdiu. De cara, achei até que era uma brincadeira de mau gosto. O Carlinhos? Com a Fátima? Não é possível! Sabia, de tanto conversarmos, da sua preferência por mulheres cultas, educadas e discretas. Exatamente o oposto da Fátima, espalhafatosa, fútil e burra.
Não me senti vingado porque ainda não estava inteirado da sua traição. Mas hoje isto me traz, no mínimo, algum conforto, o que não é pouco. Saber que você foi condenado a aturar uma mulher ainda mais venal que a Cláudia, uma mulher que flerta com desconhecidos quando sai com você à noite, que te envergonha diante dos amigos tomando com eles, na sua frente, constrangedoras intimidades. Como se estivesse disposta a qualquer coisa com qualquer um a qualquer momento. Nada pior para um homem que ver a própria esposa se oferecendo de uma maneira tão leviana e inconfundível. Só um moleque inexperiente não reconhece uma vagabunda vocacional quando vê uma. A Cláudia podia ser igual, mas não é a mãe dos meus filhos, o que já é uma grande coisa.
Vai ver que é por causa disto que você está aí apodrecendo em cima da cama. De desgosto, desencanto, decepção com a sarcástica crueldade do destino. Eu confesso que estava com pena da situação em que te encontrei, porém não mais agora. Cheguei à sensata conclusão de que cada um tem o que merece neste mundo, mas deixar para alguém como a Fátima tudo o que você possui e construiu a vida inteira com o seu talento e o suor do seu rosto talvez seja um castigo ainda maior que a própria morte. Que Deus me perdoe.