VIRA-LATA
 
     Eu não sabia mais o que fazer. As crianças, em sua desolação, deixavam-me num estado de angústia quase insuportável. Não era por mim, eu até que não sentia tanta falta. Mas elas, coitadinhas, não tinham estrutura emocional para agüentar a perda. Mais uma perda...
     Primeiro procurei acalmá-las, reassegurá-las de que ele haveria de reencontrar o caminho de casa. Paciência e espera,  era isso que nós, mulheres, deveríamos ser treinadas a desenvolver desde muito cedo. Afinal, se pensarmos bem, ser mulher significa viver um longo compasso de espera. Minhas meninas teriam que se acostumar. E era bom que vivenciassem essas experiências tendo-me a seu lado, para que enxergassem o exemplo da inabalável determinação, talvez minha principal característica.
     Que se acalmassem, que exercitassem a paciência. Desta vez propus-me a só interferir em último caso. Ainda não era tempo, assim dizia minha intuição. Não que não sofresse por elas. Como disse, seu sofrimento causava-me aflição. Doía-me vê-las correndo desabaladas, mal tocava o telefone ou soava a campainha, seus rostinhos iluminados pela esperança  para, em seguida, anuviarem-se diante da expectativa frustrada.
     Que esperassem mais um pouco, a vida por vezes caminha por meandros estranhos, era bom que pudessem aprender  isso também, e que vissem a necessidade da interferência humana naquilo que se convencionou chamar destino. É um processo complicado, que  demanda procurar, dentre várias alternativas, a mais eficaz no momento correto. E isto realmente não é nada fácil, mas aprende-se, aprende-se...
     Eu sabia que ainda não era hora. Confesso, porém, que já começava a me impacientar com a espera. O que teria acontecido? Não era a primeira vez que fugia de casa e voltava depois,  olhos tristonhos, abatido, sem aquela pose toda, parecia até diminuir de tamanho.
     E se ele não voltar, mãe? Volta sim, filhas, ora se volta! Por que você não faz nada, mãe, você mesma nos diz que o impossível não existe! Ah, que bom, vejo que estão aprendendo. O impossível realmente  não existe, basta um pouco de boa vontade e muita imaginação! Então prova, mãe,  prova pra gente que isso funciona.
     Pensei muito. Se não fizesse nada de imediato, não só as crianças iriam desacreditar da vida, da necessidade da espera, da determinação, de todos estes valores que procuro incutir em suas jovens cabeças, mas , o que é pior, iriam perder a confiança em  mim. Inadmissível. Decidi, então, que era chegado o momento de interferir. Elas veriam. Haveriam de tê-lo de volta muito antes do que imaginavam. E eu também.
     A solução rapidamente me ocorreu. Pareceu-me perfeita e bem  mais barata do que, por exemplo, anunciar na televisão.
     Mandei fazer os cartazes, a fotografia dele, bem recente, no centro da página. Passamos uma tarde divertida, afixando-os  em todas as árvores e postes do bairro. Minhas filhas estavam alegres, sabiam que  nosso propósito seria alcançado em pouquíssimo tempo. Eu também estava alegre.  Por elas é claro, tudo por elas. Se fosse só por  mim, não teria mexido um dedo.
     Antes até do que eu havia previsto, ele voltou. Como sempre cabisbaixo e tristonho, desta vez uma ponta de indignação no olhar. As meninas não cabiam em si de alegria e até foram dormir mais tarde do que normalmente. Que aproveitassem mais  um pouco, tinham sofrido tanto naqueles dias... Quando todos se recolheram, fiquei ainda algum tempo na sala. Cheguei até a janela e olhei a rua. Tudo era silêncio e paz. Eu já ia me recolher também, quando meus olhos pousaram casualmente no cartaz afixado na árvore bem em frente ao passeio. A forma pela qual estava colocado fazia parecer um quadro, com a luz do poste caindo diretamente em cima, dando ênfase à foto e aos dizeres que eu mesma compus e que mais uma vez reli:
 

       

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