Je t’aime

     A puta chamou o táxi, despediu-se da bicha que iria ficar tomando conta do filho e lhe deu uns trocados.
     Não, não...
     A mulher chamou o táxi, despediu-se do carinha com jeito afeminado que iria ficar guardando seu filho.
     Não, não...
     A jovem mulher chamou o táxi no meio da noite, fresca do banho recente, imponente dentro do cenário, e, ainda na beira da calçada, despediu-se do amigo que iria tomar conta de seu pequeno filho, que se agarrava ao pescoço dele e sorria.
     Não.
     A noite anterior não tinha sido das melhores.
     Ela havia passado horas trocando conversa e bebericando com homens avulsos na boate. Parecia que eles ali estavam desolados, sem ritmo, e ela sabia reconhecer o clima dos homens, individualizá-los em grupos, reconhecendo neles potencialidades que nem mesmo eles conseguiriam.
     Alguns homens chegavam para beber, eliminar inibições, fazer crescer dentro de si uma coragem que já não era mais sua e depois começavam a lançar olhares panorâmicos no ambiente, tentando vislumbrar na meia luz do ambiente, silhuetas graciosas que lhes satisfizessem.
     Outros homens postavam-se distantes nas zonas escuras, isolados, bebericando qualquer coisa leve, esperando pelo show de strip  e, mesmo diante do alarido reinante, do som abusivo no bit do funk, ali ficavam. Apenas.
     Outros ainda, já chegavam gritando saudações de mal gosto, alisando coxas, trocando beijinhos no rosto das meninas, convidando para a mesa, pagando tudo.
     Mas naquela noite todos se tornaram pardos, lentos.
     Qualquer coisa no clima, pensava ela, ou a coisa da situação econômica do país e das crises financeiras do mundo os estivesse afetando.
     O primeiro show tinha sido um desastre pois a garota loura do cabelo de ovelha, tremelicava como gelatina ao som do merengue, ritmo que contagiava mas que não conhecia a alma. Tremelicava as coxas, a bunda, passava entre as mesas, aceitando o alisado, os agarrões pela cintura, os beijos na barriga. Voltou para o palco, deitando lânguida no chão de  gelo seco que inundava o ambiente, criando fachos coloridos soltos no ar, na luz dos spot ligths.
     Desatou o sutiã nas costas, rodopiando no ar e soltando para a platéia. Desatou a calcinha e deixou-a cair.
     O merengue correndo solto, ela tremelicando fartamente os seios, os ombros fazendo evoluções tímidas, um sorriso amargo no canto da boca. Fim.
     Sua saída do palco foi melancólica, recolhendo as pequenas peças intimas deixadas no chão.
     Os homens retomaram a rotina de suas mesas, pedindo mais drinks, perscrutando novas silhuetas.
     Ela pensou: “Devíamos ter um coreógrafo, porra! Assim fica difícil”
     No segundo show a garota era mais gordinha, ainda perfeita, bailando soberana ao som de “Je t’aime, moi non plus”. Preocupava-se mais com executar malabarismos acrobáticos, contorcionismos primorosos, saltos difíceis.
     Seu corpo suado, no contra-ponto da luz de mentira, presenteava de dourado os olhos dos homens que aplaudiam genuinamente aquela performance.
     Os outros shows da noite foram burocráticos, cumprindo a tabela que anunciava na porta de entrada, shows de mulheres exóticas.
     Ela, desolada, cansada de não ser a si mesma, procurava no olhar de algum homem a candura necessária, o aconchego menos repugnante.
     Naquela noite não conseguiu nada.
     Rachou um taxi de volta com as amigas que moravam no mesmo prédio.
     No caminho, histórias daquela noite, de como certos homens são ridículos, de como certas garotas são invejosas, de como um certo perfume sumiu de dentro de alguma bolsa, de como estavam chateadas por algum filho doente em casa...
     Chegou em casa, desligou a televisão fora do ar e pegou seu filho, que dormitava no colo do seu amigo que adormecera ainda com o rímel nos olhos e uma touca na cabeça.
     Foi à cozinha, preparou um macarrão instantâneo e comeu lentamente, pensando na parcela do estéreo que ia vencer, na conta do celular, na caminhada da praia que iria cancelar para dormir mais.
     Foi acordada no meio da tarde pelo amigo, que arrumava a estante de cd’s enquanto a criança brincava aos seus pés com um robozinho da moda.
 
     À noite, a puta saiu, chamando um táxi e, ainda na beira da calçada despediu-se da bicha que iria ficar tomando conta do seu filho. Deu-lhe uns trocados.

 

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