Não entendia o que a prendia àquele lugar. Nem sabia quanto tempo estava parada, observando cada pingo que caia do chuveiro.
Apenas ficou quieta, olhando, lembrando, revivendo.
Era isso: Reviver = viver de novo.
Sentia necessidade de viver outra vez, sentir-se livre, solta, viva, talvez.
Sorriu, pegou a toalha macia e começou a enxugar-se.
Era inevitável recordar tudo o que vivera. Parecia uma eternidade, um sonho.
Caminhou, vagarosamente, pelo quarto, olhando, observando, gravando...
Devia estar louca, foi o que pensou.
De repente, sentiu-se observada, e, num instante de fantasia e delírio, virou-se.
Pode perceber sua própria decepção ao mirar-se no espelho. Sua imagem a enganara.
Olhou-se... observou-se...tocou-se.
Os pensamentos invadiram-lhe a alma, como se demônios fossem, e quisessem consumi-la por inteira.
Virou o rosto antes de ver aquela lágrima, sua única companhia.
Sabia-se forte, sentia-se fraca.
Não suportava sofrer, e agora sofria.
Distraidamente, vestiu-se.
Sentou-se à beira da cama, com um cigarro aceso entre os dedos.
Deu uma tragada bem forte, e deliciou-se ao ver a fumaça tomar conta do ambiente.
Quisera ser como a fumaça...
Querias coisas que sabia o quão difícil seria ter.
Difícil ou Impossível?
Desta vez a tragada fora tão forte que queimou-lhe os dedos, trazendo-a de volta à realidade.
Se aquilo era realidade, e o que vivera, o que era?
Dúvidas e fumaça sufocavam-na.
Tossiu, sorriu e enxugou o rosto com as mãos.
Lembrou-se das mãos. Mão perfumadas, misteriosas, apressadas, geladas e suadas.
Suspirou!!!!
Agora, o que tinha, além das suas lembranças?
Por que voltara àquele lugar?
O que esperava encontrar?
Talvez buscasse a si mesma, ou talvez nem buscasse nada.
Levantou-se. Caminhou até a janela.
Abriu as cortinas e deliciou-se com o que viu.
A vida a aguardava lá fora, brilhante, contagiante.
O céu, o mar, o verde, o sol, enfim, tudo.
Bastava virar-se e ir de encontro a ela.
Vacilou. Preferiu ficar.
Sentiu sede. Seu corpo ardia de calor, suava bastante.
Sentiu-se cansada e ofegante.
O confronto com a vida roubara-lhe as forças.
Bebeu, com sofreguidão, num só gole, o seu uísque. A garganta ardeu, mas ela gostou.
Afinal, porque ainda estava ali?
Porque resolvera ir ali?
Porque não saia dali?
Sentia-se presa demais às próprias recordações; tão distantes, que temia perdê-las e tão próximas que a dominava.
Não tivera culpa se não houvera opção. Não houvera escolha, e nem poderia.
Por isso estava ali, queria reviver.
Fora buscar a si mesma, talvez perder-se um pouco mais.
Tinha que ser assim? Quem disse?
Sentindo um gosto amargo misturar-se ao uísque, virou-se para o espelho. Chorava, estava sofrendo.
Precisava de outro cigarro. Precisava de outro uísque. E se ficasse bêbada?
Sorriu.
Não tinha força para levantar-se e partir. Então, graciosamente, despiu-se diante do espelho.
Desta vez não olhou sobre os ombros, sabia que ninguém a aguardava, desta vez.
Respirou fundo, sorveu a bebida, deu um longo trago e deitou-se.
Ficou ali, quieta, de olhos fechados.
Não tardou para sentir mãos percorrerem seu corpo carente, de forma conhecida e enlouquecedora. Maravilhou-se, deleitou-se.
Beijos mornos e macios eram depositados sobre sua pele, como uma oferenda num ritual de magia.
Permanecia imóvel...
O cheiro... Ah! O cheiro...
Jamais esqueceria aquele cheiro, que emanava daquelas mãos, invadia suas narinas e apossava-se dos seus sentidos.
Seu pelos eriçavam-se a cada toque. Seu corpo estremecia e podia ouvir os próprios gemidos.
Palavras eram sussurradas em seu ouvido.
Palavras, não promessas. Essas nunca viriam.
Podia sentir o peso daquele corpo quente sobre o seu.
Calmamente, entregou-se àquela dança; mexendo-se, contorcendo-se, dançando.
Sentiu uma boca faminta em busca da sua. Carecia daqueles beijos. Precisava de tudo aquilo, merecia tudo aquilo.
Sussurrou seu nome e, mais uma vez, deu-se por inteira.
Inesperadamente, ao tentar abraçar aquele que tanto amava, encontrou apenas o vazio.
Abriu os olhos e fitou o nada. Sua imaginação era riquíssima, porém sentiu-se muito pobre naquela solidão.
Sentindo-se pequenina e solitária, juntou suas coisas, vestiu-se e dirigiu-se até a porta. Olhou mais uma vez cada milímetro daquele lugar.
Já dava a última volta na chave, quando sentiu o perfume, novamente.
Respirou fundo, decidida, e virou-se para partir.
Deixaria todos os fantasmas presos, lá dentro, para sempre.
Alguém segurou-lhe os braços. Até tentou abrir os olhos, mas estes já estavam abertos. O que viu fê-la praguejar: — Maldita bebida!!
— Você não está bêbada, querida.
Inerte e lívida, consegui perguntar:
— Que fazes aqui?
— Vim buscar algo que me pertence —, olhou-a com olhos de promessa.
Num gesto que ambos conheciam tão bem, ele passou a mão sobre seu rosto, enfeitiçando-a com o seu delicioso perfume.
Olhando para trás, ela constatou que a porta estava bem fechada, e de lá não fugira nenhum fantasma.
Ele nunca prometera nada, mas soubera cumprir uma grande promessa.
Sabiam que não tardaria para que armadilhas fossem postas em
seus caminhos, só que desta vez estariam juntos, pela eternidade
que lhes fosse concedida.