INCONFESSÁVEL AURORA

O amanhecer e sua tirania, não permitem que a metafísica vá além de óbvios e cativantes poemas. Nada concluo, aliás, nada espero concluir: sou demasiadamente moderno para tal. Assim deserto, desperto: sem sequer saber o que agoniza virgem nas infinitas redundâncias. Há apenas Deus — deveras pragmático — esgueirando-se furtivamente, passando imune a nuvens de cores mortas. O Tédio. Ele prefere cultiva-lo até que possa colher o ócio; o ócio que é a mais indecifrável e refinada forma de tédio; por isso associa-se ao mais diversos e antagônicos adjetivos. E então nascem os dias, vítimas do ócio e sua amplitude.

Eis que, subitamente, avança sobre mim uma inconfessável e obscura aurora. Aos meu pés seca a carcaça de mais comum dos homens. Reverbera um discurso, uma cólera — sou então um incestuoso. Só posso florescer pelo pecado — Escrevo meu próprio epitáfio, minha única glória... Estou vivo, indubitavelmente vivo...

Ajeito-me melhor em meu leito para tragar de uma vez o veneno; amargo escarro;  o delírio mais obsceno é nada mais do que a exasperação do juízo. — As ruas resplandecem um fedor de vida comum, um hálito cálido explodindo dos bueiros e que é absurdamente familiar a todas as vidas... um fedor líquido; irrealmente volúvel a ponto de esquivar-se de todas as dissertações. Deve ser como a fantástica e turva maresia inerentes aos portos que proliferam entre a turva e fantástica essência do ser.  Nenhuma realidade é de tal modo inconcebível que possa desprender-se de todas as convenções metafóricas, derramando-se no mais subjuntivo dos pesadelos. Não sou o único, é então que cala-se a minha perversa euforia, um ou dois segundos. Tenho certeza; a miséria herdada é a coletividade.

O Amor pregado e assassinado; ele me parece ser a derradeira submissão, ele faz com que eu tombe perante a paternidade imposta. O Incesto, pais, o Incesto: de maligno nele há a loucura em ser Deus, a mais límpida e caótica perpetuação. Me acudam, Blasfêmias! Impeçam que eu apodreça como um sanguinário general, impeçam que eu teça beata e unilateral a minha decência. É então que num rompante inesperado exalta-se a minha sexualidade, não mais que de repente fico pronto para a foda. Atrozmente ergo-me, trêmulo, ofegante de prazer e vergonha, pálido como o mais astuto dos camaleões — A luxúria e sua inefabilidade tornam impossível a mais profana rebelião que arrasta-se em meu sono agitado. A megalomania é a minha ruína, a megalomania que faz com que berrem e pulsem todos os caralhos, medonho berro de quem é inseguro de sua própria existência. Porém sou um déspota e, em um aceno imperceptível, ordeno que minha perversão arquitete sua própria ciência: minha luxúria é mais do que luxúria, minha luxúria é a pretensão que vê como inadmissível o Amor em sua dourada magnitude. " O Amor redime existências", eu sei, é incontestável e panfletário, acima de tudo é moralista. Todavia o mais febril e visionário pervertido não é um moralista entre moralistas?... O Amor em sua suprema repugnância: perde-se, cega-se, atesta falências, ele nada redime — O que induz a sensação de redenção é a aceitação ou a negação, nada mais...

 

 

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