O BOMBOM

                                       I

          Bate o sinal das cinco horas, a aula prossegue. Acima do interesse na matéria, há o receio de aborrecer o professor, gênio mesquinho e irritadiço, incapaz de admitir o menor ruído no recinto. Consciente do poder que exerce, gosta de se sentir temido, de ouvir sua voz solitária ecoando pela sala como um trovão. Ninguém o contesta, o que é razoável, ainda mais por ser outubro, mês em que uma advertência é caminho certo para uma reprovação. Paulo Araújo Filho, o Poli, como era chamado pelos colegas, não era aluno dos mais aplicados, passava na média. Assistia a aula do professor Gustavo  sem muito interesse, às vezes cochilando. Hoje está presente, mas o pensamento voa, bem longe. Voa e aterrisa na casa de sua vizinha Vivinha, com quem descobriu o amor na noite retrasada. Viviane, a bela Viviane, que instiga, remexe o coração do jovem Poli. A cada explicação do mestre, a  lembrança de um beijo ou uma carícia distraem a atenção do garoto. Garoto!  Um homem, é o que ele é. Mais que todos os colegas, puros em assuntos em  amor.
          Um homem, ele sabe. E, como tal, deve tomar uma atitude contra a tirania do professor Gustavo. Reflete. Será um ato de coragem e, ao mesmo tempo, romântico. Viviane o espera e ele leva um bombom. Acaricia o bombom,
comprado com o troco do lanche, como se acariciasse os cabelos louros de Viviane.
          — É por essas e outras que eu afirmo que o golpe de 64 foi a melhor coisa que já aconteceu no Brasil.
          Poli sabe que chegou o momento. Depois da explicação, enquanto o professor  se vira para escrever uns gráficos no quadro, o corajoso rapaz pega o  material e se atira num salto da sala ao corredor.
 

                                    II
 

          Alguns anos depois, entre os veteranos da escola, a fuga do impulsivo Poli  era comentada. Um desastre. Na pressa de encontrar sua amada, o apaixona  rapaz saiu atabalhoado da sala, esqueceu o bombom e deu um grande esbarrão na porta. Ao ouvir o estrondo, o professor se voltou para a turma, irado.
          — O que está havendo aqui?
          — Eu já perguntei!! O que está havendo aqui?!
          Qual carneirinhos diante do lobo, a turma estava tomada de um medo que a petrificava, impedia qualquer iniciativa de defesa. Eis que de repente os olhos do professor são levados à mesa do romântico Poli, onde um belo e  atraente bombom é agora alvo da atenção de todos na sala.
          O professor se dirige à carteira vazia e, sobressaltado, pergunta com olhos  de fogo e voz de trovão ao aluno de trás:
          — Quem estava aqui?
          O garoto, amigo de Poli, retrai-se, fica acuado.
          — Diga logo, ou então vai ser castigado como ele!!
          Vexado e tímido, Isaac não tem outra saída a ser delatar o amigo.
          — Paulo Araújo, não é?
          — Isso mesmo, professor.
          O professor Gustavo ajeita as calças e, com os olhos fechados e dentes  rangendo, é tomado de uma raiva instintiva e a primeira reação que tem é  pegar o bombom, abri-lo e levá-lo à boca.
          Nisso irrompe o estrondo, como se uma manada tomasse conta do corredor e se aproximasse da sala. Era Poli, descontrolado, atabalhoado, cuspindo fogo pelos olhos, como há pouco estava o professor Gustavo.
          — Cadê meu bombom?! Cadê meu bombom?!
          — Que bombom? Este aqui, ex-aluno?  Diz o professor Gustavo, mais tranqüilo por ver o desespero nos olhos de  Poli e já comendo seu presente. Numa atitude típica de quem está sofrendo  muito, o rapaz tira com estupidez das mãos do professor a metade de bombom que ainda resta e a joga no chão. Com uma doida satisfação, pisa com voracidade na pequena guloseima até destrui-la de todo.

Poli foi expulso do colégio e alguns anos depois abriu uma bombonière.
Viviane casou com Isaac e às vezes vai à bombonière de Poli. Já o professor  Gustavo... bem, conta a lenda que ele morreu de uma crise de diabetes após  ingerir duas caixas de bombons após o almoço, mas quem acredita em lendas?


André Luis Mansur

 

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