SEM AMARRAS

       Faltava pouco mais que uma hora para que Luciana finalmente conhecesse seu amigo virtual, Paulo Roberto. Foram meses de muita conversa, troca de carinho, confidências e algumas promessas, que sabiam que nunca seria cumpridas. Sentia-se ansiosa e apreensiva; já o conhecia o suficiente para saber que nele encontraria a realização dos seus sonhos.
       Durante muito tempo tentou achar alguém como ele, já havia perdido as esperanças. Levava uma vida calma, discreta e sem grandes ambições. Possuía uma lojinha de importados no centro da cidade, e morava sozinha. Tivera muitos namorados, alguns relacionamentos e inúmeras decepções.
       Foi numa noite de profunda solidão que encontrou Paulo Roberto, enquanto navegava na Internet. Não tardou para que chegassem à conclusão que completavam-se, e, aos poucos, entregou-se ao emaranhado de sentimentos que invadia sua alma.
       Sua presença, sempre constante, na roda de amigos, tornou-se rara; todos sentiam a sua falta, mas ninguém ousava perguntar-lhe nada. O tempo livre era gasto diante do seu computador, embora nem sempre ele estivesse à sua espera. Todavia, quando encontravam-se era um clima de muito entusiasmo, cumplicidade e muita sensualidade. Descobrira-se despindo-se por inteira, sem dogmas, tabus, limites... Surpreendera-se na primeira vez que sentiu prazer com o jogo sensual que ele conduzia, sentiu-se mais mulher.
       Não tardou para que a vida de Lu (como os amigos a chamavam) tomasse um rumo, até então, desconhecido. Via-se o dia inteiro a pensar naquele homem, naquelas palavras, em tudo que faziam (engraçado!). Foi capaz se sentir suas mãos acariciando-lhe o corpo, sob a água morna do chuveiro, de uma maneira tão excitante que fê-la fechar os olhos, e deliciar-se com a magia do momento. Chegou a sentir o hálito morno de Beto em seu pescoço, seu cheiro de macho invadiu o ambiente, que tornou-se sufocante. De pé, encostada na parede suada, Lu remexia-se, vagarosamente, como se dançasse uma melodia que só chegava aos seu ouvidos; era o som da voz dele, do jeito que imaginava que fosse. Aos poucos, sua respiração foi ficando ofegante, o ritmo frenético a deixava suada e sua voz soou rouca, num gemido (ou seria um grunhido?). Ao sair do seu gozo solitário, constatou: estou louca.
       Os encontros virtuais sucederam-se, e, com ele, a esperança de um dia conhecerem-se e, finalmente, entregarem-se àquele amor - se é que ousava denominar assim, algo tão inusitado. Decidiram trocar seus números de telefones, o que só contribuiu para aumentar o clima de fantasia, já que poderiam ouvir voz, sorriso, sussurro, prantos e até gemidos.
       Luciana sentia-se boba, por entregar-se tão completamente a uma aventura como aquela, chegava a fazer planos... Planos com alguém que não conhecia, que sabia apenas o que lhe era permitido. Vieram as dúvidas: se ele não fosse nada daquilo que aprendera a amar e desejar tão intensamente? Se ele fosse um louco, assassino, delinqüente, ou um maníaco? Deus!!! Nunca ousara pensar nessas possibilidades, expunha-se demais, constatou.

          Com tristeza e muito desapontamento recebeu a notícia que os encontros ficariam escassos, ele estava com alguns problemas para conciliar os horários, etc. Até o espaço de tempo entre as ligações foram ficando maiores. Tudo isso levou-a a um estado de letargia, nada a animava, a não ser contar os minutos para um novo encontro.
          Não pouparam palavras para descreverem o que sentiam naquele dia. Fazia tempo que não se "viam", estavam ansiosos, carentes, excitados, enlouquecidos e famintos.
As palavras surgiam no monitor com a mesma rapidez que a emoção tomava conta de seus sentidos. Estava ofegante, suada, e tentava descrever tudo que estava vivendo, enquanto Beto a estimulava cada vez mais, com palavras sensuais, que tocavam seu corpo, em brasa, aumentado a chama que queimava-lhe por inteira. Com ele, conseguia ser audaciosa. Com ele, conseguia ser plena, como fêmea. Os goles da água gelada que bebia, descia calmamente em sua garganta seca de tanto prazer. Seus dedos ágeis passeava sobre o teclado, num "toc-toc" desenfreado, que soava como música em seus ouvidos. Em alguns momentos parava para ler e reler aquelas palavras maravilhosamente sedutoras que a levava ao êxtase total, para acreditar que tudo aquilo era real, mesmo sendo virtual. Ficaram quase três horas naquele jogo enlouquecedor.
          Agora, faltando alguns minutos para chegar ao lugar marcado, não conseguia mais sentir-se tão segura de que realmente estava preparada para aquele encontro, embora tenha sido o que mais desejara ao longo de tantos meses.
          Felizmente tinha escolhido um lugar bastante movimentado, não poderia descuidar-se. Era um barzinho fora da cidade, freqüentado por casais furtivos, como eles. Paulo Roberto foi pontualíssimo, pegando-a distraída em seus devaneios. Aproximou-se e prostrou-se às suas costas, tocando-lhe, levemente, os ombros. Luciana apenas fechou os olhos para eternizar aquele instante, em que Beto voltou-se e beijou-lhe a face, num toque suave. As palavras saíram sem que houvesse algo que as contivesse:
          — Você existe!!!! - disse atônita.
          — Você também existe, querida.
Passaram horas a conversar, quase não se tocavam. Ambos compartilhavam da realidade de estarem juntos. Olhavam-se e tocavam-se com olhos incrédulos. Pareciam querer gravar cada traço, cada gesto, cada som, cada tudo.
          Levantaram-se no mesmo instante e tocaram-se, casualmente. Lu sentiu suas pernas amolecerem ao ver-se tão próxima daquele que já conhecia cada milímetro do seu corpo. Foi o que precisavam para ansiar por mais. Antes que percebessem, estavam abraçados, de uma forma tão íntima e completa que podiam-se sentir um só. Durou mais que a eternidade para que se separassem, e se olhassem sem nada dizer, não precisava.
          A porta foi fechada sabe-se lá como, estavam muito ocupados em se tocar, cheirar, sentir... Paulo Roberto colocou-a no colo e olhou-a com paixão, beijando-a sem parar. Era um cavalheiro, nada faria que a deixasse constrangida. Lu entregou-se aos seus carinhos, suas palavras, seus olhares...
          As mãos grossas de Beto passeavam em seu corpo, como que a procurar algo que sequer sabia, mas era detido sempre que Lu sentia que poderia chegar além dos seus limites. Ela, surpreendentemente, levantou-se, pegou-o pelas mãos e o levou até a imensa cama que os aguardava. Ele, surpreso, entregou-se. Deitado de costas pode, surpreso, o momento em que ela, delicadamente, livrou-se do vestido, deixando seu corpo à mostra, num ritual erótico que o levou à loucura. Sentou-se sobre o homem que tanto desejava e começou a mexer-se, sensualmente. Beijou-lhe com sofreguidão. Abraçou-lhe com tanto desejo que sentiu-o penetrar sua pele, seus poros. Estavam loucos de paixão, ofegavam, gemiam, falavam... Ele acariciava seu corpo do jeito que sempre sonhara, e fazia do jeito que gostava. Estavam famintos e sedentos, podia-se sentir o cheiro que seus corpos exalavam. Como animais no cio, buscavam-se, queriam-se.
          Sem dizer uma só palavra, Luciana levantou-se e caminhou de volta à sala, levando consigo seu vestido, agora amassado. Beto seguiu seus passos, atônito. Nada disseram, apenas voltaram a abraçar-se. Ele a sentou em seu colo, novamente.
          — Eu te amo! — falou com o coração.
          — Eu também te amo, querido. Amo de uma forma nova, plena e inesperada.
          — Eu te quero.
          — Eu também, mas antes precisamos nos conhecer mais — Lu parecia inquieta.
          — Somos iguais, nos completamos.
          — Então, fique comigo, para sempre — era um grito de súplica.
O olhar de Beto tornou-se sombrio, triste, cinzento... Ele nada disse, mas ela tudo compreendeu.
          — Você é casado, não é ?
          — Sim, querida.
          Desta vez abraçaram-se de uma forma mágica, única. Sentiram um dor impor-se, naquele momento. Olharam-se com paixão e tristeza. Por conhecerem-se tanto, sabiam o que viria a seguir, mas não queriam admitir.
          Mais uma vez as mãos dele tocaram seu corpo, deixando em cada toque as marcas daquele encontro. Os beijos que sucederam aquele instante estavam ávidos, sôfregos, sedentos, mas cheios de verdade. Ela entregou-se à carícia e o presenteou-o com leves mordidas em sua barriga esguia e quente. Sentiu-o gemer baixinho.
          Eram cúmplices e sabiam que ela não seria capaz de ir até o fim, seus princípios eram irredutíveis, mesmo diante de tanta paixão.
          Lu caminhou até o banheiro, fechou a porta e arrependeu-se por ter chegado até ali. Sonhara tanto com aquele homem, em entregar-se por inteira, em viver um grande amor, e ele sequer poderia ser dela. Sentindo-se suja, abriu o chuveiro e deliciou-se com a água morna que caia sobre seu corpo. Não sabe quanto tempo passou até que abrisse a porta e solicitasse que ele fechasse seu vestido.
          Arrepiou-se ao sentir o toque de Beto em suas costas, virou-se. Encontrou um olhar triste e perdido, um olhar de paixão, que dizia apenas:
          — Eu te amo.
          Sem nada pensar, livrou-se novamente do vestido e, com ele, de todas as suas convicções. Entregou-se àquele homem, sem medidas. Gemeu de todas as formas que tinha direito, e ficou satisfeita. Sentia-se livre de todas as amarras, sentia-se completa, sentia-se feliz.
          Despediram-se com um beijo apaixonado e com novas promessas. Entretanto, para Luciana era mais que um "até logo". Sabia-se possessiva demais para dividir um amor com mais alguém, mas tinha uma grande certeza consigo quando pensou: hoje você foi meu, e o meu hoje será o meu sempre.
Acenou com um sorriso fictício nos lábios, para esconder as lágrimas amargas que lhe molhavam o rosto.
Chegou em casa, ligou o micro e escreveu.
          — The End.
Desligou. Virou-se, e retomou sua vida de onde parou.

Cassandra  Tribuzzi

 

 

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