Antônio
José sentou-se na cama e bocejou alto. Esfregou os olhos e procurou
o relógio de pulso entre o amontoado de roupas no chão. Onze
e meia! Era sábado. Nada de trabalho maçante: repartição
abafada, chefe arrogante, horas mortas. O dia era todo seu e o que é
melhor, era seu aniversário. Trinta e sete anos. Olhou-se no espelho
do banheiro. “Trinta e sete anos, trin-ta-e-se-te-a-nos!”. Seu corpo já
não era o mesmo: olheiras fundas, barriga flácida, os cabelos
rareando. Mas não se importava, não era vaidoso, nunca teve
grandes ambições: mulheres, dinheiro, fama, carreira. Sentia-se
realizado no novo apartamento, que apesar de mínimo e alugado, era
bem melhor que a quitinete. “Tenho que me apressar. Não posso perder
tempo”, falou animado, enquanto preparava o café. Antônio
não tinha amigos, parentes próximos; não receberia
telefonemas ou telegramas felicitando-o pela data. Mas estava feliz, pois
iria ganhar os seus aguardados presentes: as promoções do
comércio para os clientes que aniversariam.
Correu para
o quarto, vestiu-se e planejou o roteiro do dia. Primeiro, a locadora.
Uma locação gratuita, uma fita à escolha. Pegaria
um filme de ação ou uma comédia? “Tanto faz, o videocassete
está quebrado mesmo”, lembrou-se frustrado. Depois almoçaria
na pizzaria de sempre; uma pizza mini e sem gosto, mas de graça.
Mais tarde iria ao parque de diversões, que também tinha
promoção: entraria sem pagar nada. Em seguida, à farmácia,
para comprar remédio contra enjôo - com preço promocional.
Para fechar o dia, voltaria de táxi para casa; com desconto, é
claro. Pelo menos uma vez no ano se sentiria alguém especial, lembrado
por todos. Mesmo que fosse simples marketing das empresas.
Ele saiu de
casa correndo, para não deixar de ganhar o chaveiro de plástico;
brinde de uma papelaria, que fecha ao meio-dia. Pobre Antônio José,
não viu o caminhão no cruzamento da rua. Seu corpo voou metros
de distância. Foi levado, milagrosamente, ainda com vida para o pronto-socorro.
Na mesa de operação, com muita dificuldade, conseguiu balbuciar
ao médico: “Doutor, por favor... se eu morrer, ligue para a funerária
Boa Viagem. O enterro será de graça... Hoje é meu
aniversário”.
Horas depois,
Antônio José faleceu. Na lápide, a homenagem
do dono da funerária: “Aqui jaz um homem que aproveitou o que a
vida tinha a oferecer”.