NÃO QUERO MAIS TADEU MORTO

               Talvez ele já estivesse com a mão dentro do bolso quando disparei, não posso me lembrar com certeza. De qualquer maneira, já é tarde demais e não há nada que eu possa fazer. A bala risca o ar, não posso vê-la mas sei que agora ela atravessa o espaço deste estacionamento subterrâneo em velocidade supersônica e vai perfurar a cabeça de Tadeu através da têmpora, pois foi ali que mirei e nunca erro. Não conheço Tadeu, tudo que sei é o nome, e sei também que hoje neste horário ele sairia de seu escritório, desceria de elevador até a garagem do subsolo e caminharia despreocupado em direção ao seu carro, que me informaram tratar-se de um Audi A8 prateado. Não sei por que desejavam-no morto, nem me interessa. Não é a primeira vez que sou contratado pra dar cabo de pessoas que não conheço, aliás que vez seria esta? Sexta, sétima? Sei somente que será a última. Enquanto a bala voa Tadeu está com a mão dentro do bolso e posso afirmar que vai retirar dali alguma coisa, chaves do carro? Telefone celular? Relógio de bolso? A mão encontra rapidamente o que procura, mal entrou já começa a retornar para fora da calça do luxuosíssimo terno, e o que Tadeu retira do bolso enquanto já o sei morto é um lenço comum, um pedaço de pano quadrado, branco, usado no corriqueiro para assoar narizes, limpar óculos, enxugar suor das têmporas (antevejo o sangue cor-de-vinho ali pressurizado escapando numa minúscula golfada no exato instante em que a bala penetra, e espirrando num jato volumoso pelo outro lado da cabeça, arrebentando osso carne cabelos, a bala sempre faz mais estrago por onde sai). Só eu sei que Tadeu está morto enquanto puxa seu lenço para fora do bolso, e esta visão do lenço me faz estremecer, talvez porque não seja o gesto de um executivo muito rico que provavelmente fodeu algum outro executivo tão rico quanto, não é um gesto que eu associaria a qualquer um destes filhos da puta da elite, é o gesto de um homem simples, um homem qualquer, um ser humano comum que vai morrer porque acabo de apertar um gatilho, e a verdade mais profunda que agora compreendo é que apertei este gatilho não porque sou pobre, não porque fazendo-o receberei dinheiro bastante pra sustentar minha família e amansar minha consciência, não porque pouco me importam os desafetos entre os ricos e a maneira como decidam resolvê-los: apertei o gatilho porque neste instante eu também desejei este homem Tadeu morto, mas agora já não o quero morto, não por minhas mãos, não depois que vi o lenço, porque é idêntico ao lenço que eu próprio carrego em meu bolso, meu próprio lenço, foi minha filha que me deu no dia dos pais, por Deus, é igual. Não quero mais Tadeu morto, não quero!, o lenço sai do seu bolso, mas já é tarde demais.


                                                                    Daniel Galera

 

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