Jantaram. Beatriz, uma salada simples; Moacyr, caçarola. Quer
dizer, batata cozida, carne assada e muito,
muito feijão com arroz. Após o jantar, lá pela
nove, foram às cervejas. Na concepção de Moacyr, para
um lugar ser decente, bastava que não entrassem bêbados
nem pedintes. E aquele fora bem recomendado pelos amigos, tanto os
da repartição como os da rua da Alfândega. Amigos antigos,
quase íntimos. Baixaria ali, não! E foram às cervejas.
Beatriz tentou acompanhá-lo, mas era páreo duro, duro
na queda esse Moacyr. Das doze garrafas na mesa,
oito eram dele. As quatro que Beatriz bebera, no entanto, deram-lhe
uma sensação gostosa, imagens turvas, aconchegantes, cada
vez mais próxima de Moacyr. Agora seus lábios quase se tocam,
ela envolvida por sua voz morna, a fala macia, inebriante.
— Dá licença, Beatriz.
— Toda, meu querido.
— Ah, leia isto, por favor.
Deu uma carta a Beatriz e foi ao banheiro. Ela estava ansiosa, comovida,
o coração dando pulos frenéticos. A carta dizia tudo
o que Beatriz queria ouvir e mais um pouco. Moacyr era o mais romântico,
o mais poético possível na expressão de seu amor.
Às vezes alegre, outras melancólico, sempre apaixonado. A
emoção de Beatriz era intensa, viva, fruto da enorme paixão
que nutria por Moacyr e das quatro cervejas que tomara. Remexia o corpo,
mordia os lábios, imaginava o que seria aquela noite. Libertariam
todo o amor retraído, seria inesquecível.
Beatriz sabia que Moacyr demorava para que ela lesse a carta. Na verdade, era isso e mais um pouco. Ele demorou mesmo foi para conferir todo o dinheiro que tinha, inclusive os centavos. Daria para beber mais duas e ainda havia a hipótese de Beatriz querer dividir as despesas. Se ela insistisse, ele recusaria, mas se insistisse muito, Moacyr dividiria as cervejas, pelo menos. Lá vinha ele, simpático, sorriso sereno no rosto, jeito de quem se faz de desentendido. Beatriz o fita bem nos olhos, instigante, sensual, quase o devorando. Ele abaixa o rosto e senta, sorri para Beatriz.
— Que coisa linda, Moacyr.
— É...
— Lindo, lindo de morrer. Por que não me disse antes?
Que espírito poético, que amor sincero...eu, que tinha
tanta dúvida, tanta incerteza, não sabia que seu amor
era tão grande, tão sincero, tão grande quanto o meu.
— Quanto o seu?
— Moacyr, deixa eu te dizer, minha paixão por você
é louca, desvairada, não posso ficar sem você...
Num gesto súbito, ela puxa o rosto dele e lhe dá um longo beijo, sensual e apaixonado, que até desperta a atenção de alguns fregueses.
Após o beijo, ela ainda o olha, fascinada, tonta de tanto prazer e alegria. É Moacyr quem fala:
— Beatriz, tenho que ser sincero.
— Sempre, Moacyr, sempre.
— Esta carta não é minha.
A palidez toma conta do rosto de Beatriz. Da alegria à decepção,
acentuada com a explicação de Moacyr. Esta carta é
de meu primo Rafael, aquele que eu te apresentei, lembra? Pois é,
ele ficou apaixonado, amor à primeira vista, sabe? Mas como ele
é muito tímido, pediu que eu te entregasse esta carta. E
aí, o que você acha? O rapaz tem chance?
Beatriz já não o ouve mais. Levanta e vai embora bruscamente. Alguns fregueses olham e lado. Moacyr não entendeu a reação. Pensou até em chamá-la para perguntar se podia dividir as despesas, mas desistiu.
Terminou a noite bebendo mais duas cervejas e discutindo com um garçom que mora lá pelos lados da Piedade. O garçom insistia que Moacyr mora na Abolição, que fica perto, e não na Piedade. Beberam mais duas por conta da casa e foram embora juntos, sem chegar a nenhuma conclusão.