A BOMBA
À tarde fez frio e a cidade ficou
vazia. Todos atenderam prontamente a ordem de evacuar o local por
causa da bomba que irá explodir à meia-noite em ponto.
Agora chove. Uma chuva miúda, chata, cansada, persistente. Apesar
do clima frio daqui da região e do chuvisco insistente que cai há
quase dois dias, hoje à tarde, de vez em quando, fez um calor repentino.
Um calor diferente, úmido, pesado. O tempo está realmente
estranho hoje. Parece que acabaram de destruir o resto da floresta amazônica
de tanto abafamento que fez vez por outra. Foi tudo tão sufocante
— sem ar...
É muito mais estranho ver
como os sinais de trânsito piscam e dão ordens para ninguém.
Se por um acaso, alguém aparecer repentinamente aqui e agora sem
a inteira informação do fato, na certa ficará atordoado
com tanto silêncio e tanta ordem. O silêncio é gritante.
A ordem é imoral de tão perfeita.
A noite chegou sorrateira, negra, repentina
trazendo mais silêncio e mais tristeza, mas ainda pode-se ler o resto
do pensamento do poeta:
“Nuvem veloz se movimenta negra
No céu escuro a tempestade
vem.”
Nada aconteceu de novo nas últimas
horas, a não ser a mudança brusca da temperatura prenunciando
mexeção no sistema ecológico. Faz muito frio agora
quando, finalmente, a noite se assentou de vez. Alguns letreiros luminosos
acenderam-se automaticamente na hora certa, chamando atenção
não sei de quem. As lojas não cerraram sua portas como de
costume e os bares estão vazios, apagados, escuros, abertos.
O cinema El Dorado ainda mantém
o cartaz do filme da semana — James Bond em ação — “007 Contra
Chantagem Atômica”. Violência? Não. Tudo é de
mentirinha. Só esta semana. Na próxima, quem sabe?, terá
música e romance, filmes novos e antigos — Fred Astaire, Madonna,
depois Brigitte Bardot. Roberto de Niro, Burt Lancaster, Lana Tunner,
Cher, Demi Moore. James Dean e Marilyn Moroe. Risos, cores, índios,
mocinhos e piratas. Pura fantasia. Jardins de amores, grandes paixões,
sensualidade, maldade, crime, Betty Davis. Flertes, namoros e brigas, tapetes
mágicos de Bagdá, aventuras na Índia, Flash Gordon,
E Deus Criou a Mulher... Ilusão da melhor: Superman, ficção,
documentário e guerra. Quem sabe, Oscarito para matar saudade e
matar a gente de rir...
O gás néon continua piscando
nos letreiros luminosos e os sinais de trânsito mandam parar. VERMELHO!
Parar pra quê?... Pode haver um assalto a mão armada. Siga.
Siga em frente! VERDE. Mas seguir pra onde? Nenhum caminho leva a nada
ou a lugar algum. Está tudo vazio, venta, chove, faz frio. E o telefone
público tocando logo agora neste silêncio mortal? Alguém
chama
alguém e ninguém responde. Não há pergunta,
não existem respostas. Quem era e o que queria? Atenção:
AMARELO! Não mate. Não corra. Não morra. Mate, corra
e morra se quiser. Atenção, não ultrapasse a faixa
amarela. Muita atenção ao ultrapassar. Já está
quase na hora. É quase meia-noite, não acorde agora. Durma,
descanse, relaxe e goze estes momentos finais. Não saia. Ou saia,
também se quiser. Eu já fiz a minha parte. Quem quiser que
faça a sua. Já é sabido que há perigo nas ruas
e o problema agora é seu.
Oxente, como há perigo, menino,
se na rua não tem gente? Não há perigo nenhum. Pode
até assaltar e matar sem problemas... Se não tem gente, não
tem assalto, nem atropelo, nem morte. Pode até jogar com a sorte
de um crime quase perfeito. Não tem compra, não tem venda.
Não tem roubo pro delegado, nem sujeira pro prefeito.
É tarde e já está
passando da hora. Eu tenho mais é que ir embora. A bomba vai explodir
e não há mais tempo a perder, falta pouco. Vou pra Angra
dos Reis, Chernobyl ou Three Miles Island. Se correr, ainda chego em tempo
de assistir a explosão pela TV. O problema é o trânsito.
Eu tinha esquecido, não há
trânsito, tudo está facilitado. Será que eles ainda
estão lá? Não sei, mas vou tentar. Tenho que acabar
de ler o livro antes de ir, ou faço isso no caminho? Dialética?
Não, dietética. Não tenho tempo, tenho mais é
que me apressar. São onze e vinte e cinco, quase onze e meia, onze
e quarenta pra ser preciso. Não acertei o relógio digital
e fiquei confuso. Também não se escuta mais Beethoven nem
Bach, nem polca nem samba!
Onde está o relógio de
parede, está no quarto? Ah sim, está no quarto. O relógio
está guardado na gaveta lá no quarto. Um quarto pra meia
noite. Onze e cinqüenta. Cinco pra meia noite.
Falta pouco para a explosão.
Agora, é melhor esperar e ler a notícia amanhã nos
jornais. Esqueça o livro e Beethoven, vamos ver o que vai dar. Vamos
ver o que vai acontecer. Tic-tac, tic-tac, tic-tac, ouço a batida
insistente. Acerte o relógio que está atrasado. Que horas
são exatamente, são 11:57? Não, 11:58. Onze e cinqüenta
e nove. Silêncio! Escute. O silêncio é muito importante
na hora de escutar. Está na hora. Escute e preste atenção.
Atenção!!! Atenção é o amarelo? Não,
é o vermelho.
O relógio parou.
Fernando Tanajura Menezes
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