TOMATES VERMELHINHOS

            Entrou em casa, já quase à hora do almoço.
            — Demorou tanto, Jorge.
            — Conversava com alguns amigos, o Joel, Marinho, fazia tempo que não os via.
            — Comprou a carne?
            — Comprei, tá aqui.
            — Alcatra? Mas eu pedi filé, Jorge.
            — Hein? Eu pedi filé, Jorge. Esqueceu?... Esqueceu, não é? Eu sabia, vai  conversar com os amigos e deixa as obrigações de lado.
            — Ah, Rosa, não briga, vai. Hoje é domingo, daqui a pouco seus tios chegam...
            — Isso, meus tios chegam e vou dar alcatra para eles em vez de filé. Sabe  que o tio Valdeir adora filé.
            — Eu sei, Rosa, desculpe.
            — Tá, tudo bem, mas vê se presta atenção da próxima vez. Desde que ficou  desempregado, anda distraído que só vendo.
            Jorge vai para a sala, onde uma confortável poltrona o espera.
            Aproveitando que as crianças brincam no quintal, Jorge liga a televisão para  sua distração predileta nas manhãs de domingo: o Campeonato Italiano, hoje  com Milan e Inter, programa imperdível.
            — Jorge!
            Seu rosto se contrai levemente e tenta reprimir uma ligeira ponta de  irritação que teima em surgir. Nada pior  do que ser interrompido  durante  um bom jogo.
            — Jorge!
            — Tô indo, Rosa!
            A meio caminho da cozinha, sai o gol do Milan. Um golaço, segundo o  locutor.
            — O que é, Rosa?
            — Faz um favor para mim.. Pega o troco da carne e compra meio quilo de  tomates ali no seu Almir. Mas ó, escolhe bem vermelhinhos, hein. Não vai  esquecer!
            — Tá bem, Rosa.
            Jorge dá uma última olhada no jogo e quase lhe dá um aceno de  despedida.
            — Não demora não!
            Ele finge que não ouve e bate a porta. Já na rua, pensa em como fazer  para trazer os tomates. Faltou-lhe coragem para dizer à esposa que o troco  da carne fora gasto em duas cervejas. O jeito, pensou, seria recorrer aos  amigos, mas ao chegar ao bar do Chico, já não há mais nenhum conhecido. Só o  Chico, famoso nas redondezas por sua unha-de-fome.
            — Ai, meu pai, e agora? Como vou fazer? Seu Almir é ruim de fazer fiado.
            A visão de Joel na esquina recobrou a alegria no rosto de Jorge. Amigo  e irmãozinho seu, Joel não iria faltar naquela hora tão difícil e  angustiante. Já havia irritado Rosa mais uma vez, a segunda não queria nem  pensar.
            — Joel!
            — Sim? Oh, Jorge, você de novo. Pensei que já estivesse em casa.
            — Já fui em casa e você não sabe da maior. Minha mulher quer que eu compre  meio quilo de tomates e eu fiquei lisinho, cara. Você não tem "dois paus"  para me arrumar, não? Pra semana, eu pago sem falta.
            — Ih, Jorge, se você viesse há dez minutos eu teria, mas agora também fiquei  durão, rapaz.
            — Ah, é...?
            — É, mano. Não leva a mal não, tá?
            — Não, não, Joel, que isso? Pra gente, isso não vale.
            Jorge dá meia volta e torna a andar, triste e cabisbaixo. Sabe que se  voltar sem os tomates, Rosa é capaz de fazer um escândalo na frente da  família. Foi uma caminhada tão irregular e triste que Jorge nem reparou no  fusca que vinha da outra rua e o jogou longe.
            — Rosa! Rosa!
            — Entra, dona Juliana!
            — Rosa, minha filha, você nem imagina o que aconteceu!
            — O que foi, dona Juliana? — Posso contar? Está preparada?
            — Conte logo, dona Juliana! Não me deixe angustiada! São as crianças?
            — Não! É seu marido Jorge! Ele foi atropelado perto da rua da feira e está  em estado grave no hospital.
            Uma estranha e súbita sensação congela qualquer iniciativa de Rosa,  olhos arregalados e lábios secos. Passado o susto inicial, ela esboça uma  reação confusa e desesperada.
            — Meu Deus, os tomates!!!


André Luis Mansur

 

 

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