Ele usava pince-nez
e ela lornhão. Ele via as horas em relógio de bolso, ela
perguntava as horas. Tinham títulos universitários, mas nunca
trabalharam. Viviam de rendas, deixadas pelas famílias. Eram primos
longe e tinham muitos sobrenomes, ainda que se tratassem por diminutivos.
Ambos não tinham parentes mais. Eram muito sociáveis e freqüentavam
o Country. Riam do "café-society" e dos que agora ganhavam dinheiro
e pagavam para aparecer nas colunas sociais. Detestavam política
e nunca votaram, porque corriam para Paris em épocas de eleição,
ainda que julgassem muito interessantes as democracias e os movimentos
contra a fome em Bangla Desh. Nunca procriaram, ainda que achassem crianças
bonitinhas. Liam os clássicos e citavam Joyce e Proust a todo momento.
Foram envelhecendo, com a mesma classe, indo às festas de pessoas
bem nascidas, mas os convites começaram a rarear. Evitavam enterros
e lugares da moda. Por fim morreram envenenados por gás, mas suas
mortes só foram percebidas, quando já começavam a
feder e o guarda noturno chamou a polícia, ao sentir cheiro de gás
na vizinhança. E os empregados não avisaram? Estavam acostumados
a chegar pela manhã e encontrar a mansão do Jardim Botânico
fechada, pois os patrões, bons patrões, porque pagavam bem,
pouco falavam com eles e iam para a França, sem os avisar. Os dois
estavam vestidos a rigor, ainda que em decomposição. Não
havia bilhetes, ou testamento. Também não havia mais fortuna,
que naquele mês se acabara. Saldo zero em banco. Com a venda da mansão,
pagou-se empregados, últimas contas, imposto de renda e o advogado,
que administrara seus bens, durante sessenta anos. Não deixaram
dívidas, nem saudades.