Jaula

Eu estava confortavelmente instalado em minha sala, bebendo uísque e contemplando as últimas capturas (cabeças empalhadas de alces), quando ouvi um fragor metálico sobre meus girassóis: um disco-voador.
Apanhei minha espingarda de caça, sempre alimentada, e saí ao quintal, disposto a punir os invasores que estavam estragando minhas cercanias do Natal.
O disco-voador produzia uma névoa queimada, mas pude ver um hipopótamo, em roupas de metal e couro, se dirigir a mim. "Que dia inesquecível, pensei, caçar um hipopótamo, inclusive espacial, sem sair de casa!"
Apontei-lhe a arma, aguardando apenas que dissesse algo, que eu não poderia mesmo entender.
O hipopótamo não trazia arma alguma; a coisa, então, ficaria ainda mais fácil.
Imprimi o dedo no gatilho e fui atingido por seu olhar de fogo bem na cabeça.

2

Quando emergi do desmaio, julguei despertar de um longuíssimo sono povoado de pesadelos.
Sentia uma dor intolerável na cabeça e um frio agudo em cada poro.
Olhei vagamente em torno de mim e percebi que me achava numa gaiola.
Tive tempo de fazer este rápido exame: as dores de cabeça tornaram-se ainda mais lancinantes e perdi de novo os sentidos.

3

Quando reabri os olhos, constatei que estava acorrentado, e dois tigres, com aventais médicos, me colocavam um estranho curativo na cabeça.
Logo depois, um macaco me conduziu à jaula, onde me esperavam uma tigela com água e algo que me pareceu um pão.
Atirei-me a ambos sofregamente.
Este foi o primeiro de milhares e milhares de dias que passei no homológico de Aldebarã sendo contemplado como caça.
Meu único consolo era conversar, nostalgicamente, com outros caçadores terráqueos que, dia a dia, começavam a povoar as jaulas.

                                                                               Cláudio Feldman

Do livro: "Três Abutres", Ed. Taturana, 2000, SP
 

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