Golpe de Mestre
Carolina levanta-se preguiçosamente, tem o
rosto amassado, os cabelos em desalinho e a mente confusa. Dormiu demais,
lamenta. Mas estava sonhando tão gostoso, e é tão
bom sonhar. Carolina, balzaquiana bem conservada , que trás no rosto
resquícios de uma antiga beleza.
Olha-se demoradamente no espelho e afaga os próprios
cabelos, pretos agora, -- foram castanhos um dia — e nota que não
estão tão brilhantes, deduz que seja o excesso de tinturas.
Observa atentamente as maçãs do rosto, e desconsolada, percebe
que já estão meio flácidas e que os lábios,
outrora grossos e sensuais, ficaram meio caídos nos cantos. Mas
o conjunto ainda é agradável, pensa ela. Esse estudo minucioso,
logo pela manhã, tem um nome, chama - se Marcelo. Aluno recém-matriculado
na escola onde leciona há alguns anos.
Carolina é uma mulher solitária e
dona daqueles hábitos adquiridos após longa convivência
com si mesma. É professora de português e adora sê-lo.
Tem uma vida moderada, mora na casa que pertenceu aos pais e se mantém
com o que ganha. Ele, Marcelo, tem dezessete anos, é impetuoso como
só os jovens sabem ser, tem corpo atlético, sorriso suave
de bons dentes e fala mansa. É um garoto muito esperto. Mal aluno,
especialmente em português, adotou uma tática, paquerar a
professora, a “coroa”, como comenta com os amigos.
Começou com uma ligeira troca de olhares,
que foram ficando mais fixos e mais insinuantes a cada dia, depois, tocava
levemente em seus dedos e deixava a mão se demorar um pouco mais
sobre a dela, sempre que ia entregar algum trabalho. Carolina, meio sem
saber por que, aceitou o flerte, estava se divertindo como há muito
não fazia, e afinal não via mal algum nisso. Marcelo começou
a demorar-se na sala e a sair depois de todos, ao sair, dava um jeito de
encostar-se nela para passar pela porta. Ela, sentia-se estranha, a cada
toque, estremecia, sentia as pernas bambearem e não sabia dizer,
se gostava ou não. Era novo, diferente. Era bom. — Carolina era
virgem.
Agora, durante a aula, ela mal conseguia pensar,
esperava ansiosa o final da aula. O toque.
Do toque ao abraço, do abraço ao beijo
e do beijo carícias, feitas muito rapidamente e até audaciosas,
não demorou muito. Marcelo é um garoto esperto.
As notas sobem vertiginosamente.
O bilhete passado rapidamente, entre um beijinho
e uma apalpada, marcava a hora e o motel onde ela deveria encontrá-lo.
Seria hoje, logo após as aulas.
Animada, entrou no velho fusca vermelho, devidamente
maquiada e penteada. Dirigiu-se à escola, antegozando o prazer,
nunca antes experimentado, que iria enfim, ter naquela tarde. A aula decorreu
normalmente e Marcelo, como vinha fazendo ultimamente, deixou-lhe um bombom
sobre a mesa com um sorriso cheio de promessas. Carolina mal podia conter
o fogo a lhe queimar as entranhas e a face.
Embora sentisse um desejo imenso, sentia-se um pouco
culpada e até envergonhada. Tinha crises de consciência,
hora achava-o uma criança, hora um homem maravilhoso. Dúvidas,
dúvidas. O desejo venceu. Ela estava irremediavelmente apaixonada.
Saiu da classe quase que correndo, assim que ouviu
o sinal. Pensou em ir até em casa, tomar um banho, escolher uma
calcinha mais sexi, conferir a maquiagem, sei-lá. Chegando ao carro,
lembrou-se da chave. Ficara sobre a mesa da sala de aula.
Aborrecida com a distração, voltou
para buscá-la. Marcelo, no pátio ainda, ria com os amigos,
dizendo, é hoje que defloro a coroa, depois, fechei. É um
sacrifício, mas se eu repetir, adeus moto. Carolina ouviu, alto
e claro. Passou escondido por trás das colunas, foi à secretaria,
refez as notas de Marcelo e o reprovou. Pegou a chave do carro e calmamente
se dirigiu ao estacionamento. Na rodovia, pisou fundo, exigindo do
carro mais do que ele podia dar e como louca, entrou embaixo de uma jamanta.
A visão turva pelas lágrimas e o turbilhão
de pensamentos, distraíram-na e ocasionaram o acidente. Percebeu
perplexa que saíra ilesa. Passado o choque, levantou-se da grama
onde fora atirada, limpou rapidamente a roupa, e notou que no corpo não
havia nem escoriações. Correu na direção oposta,
fugindo da multidão de curiosos e policiais que se juntavam em torno
de seu carro, pegou um taxi e foi para o motel. Lá, Marcelo já esperava ansioso.
Foi uma festa, Carolina usou e abusou do garoto,
queria desfrutar tudo e desfrutou. Depois de horas, ambos extenuados, resolveram
assistir um pouco de TV, para relaxar, antes de irem embora. Estava passando
o noticiário, e a reportagem era sobre um acidente, ocorrido à tarde, com um fusca vermelho e uma jamanta.
A mulher que dirigia, totalmente desfigurada, tivera
morte instantânea e estava presa entre as ferragens. Sabe-se, pelos
documentos encontrados, que era professora e se chamava Carolina...