Conclusões

            A amante do meu marido tem uma beleza incomum. Não é jovem mas deve ser macia. Peitos enormes, carnes fugindo pelas mangas cavadas. Carne rosada. Imagino a volúpia com que ele deve afundar os dedos naquela estrutura cheia de aconchegos e mornidões. Uma mulher feita de mormaço: calor e umidade.
            Eu, esguia e nervosa, fico admirando a maravilhosa e gorda tranqüilidade da outra.
            Quando encarei mulher tão opulenta e bela me senti absolutamente infeliz. Eu, inteira de preto, naquela festa, diante dela, exuberante e revestida em tons claros e sensatos, de onde fluía um perfume doce.
            Obscura me obscureci ainda mais e segurei com tal foça o colar de pérolas que o cordão fino se partiu e as pequenas esferas seguiram inocentes em todas as direções.
            — Não, não precisam juntar! — Exclamei. — Não são legítimas.
            — Claro que são — cochichou o marido apertando meu braço. — Claro que são.
            — Não são mais — expliquei, absolutamente desamparada.
            — Coisa mais incômoda — ele reclamou e se pôs a recolher os pequenos universos que se agitavam sob os pés dos convidados. Ela ajudou, solícita. Mãos juntas.
            — Pelo menos algumas estão aí — ele falou com ódio. — Pedia para a suave mulher que ficasse com elas mas, dignamente, com olhos tristes, recusou, entregando-as todas ao meu marido. As mãos se tocaram. Ternuras.
            Episódio mais desagradável — ele sentenciou, me encarando com dureza. Eu estava distante, lembrando os dias de namoro, quando o colar era legítimo.
            Odeio mulheres magras e traídas. Diante do espelho, olho o rosto fino, o olhar apodrecido e me culpo.
            A amante de meu marido tem olhos dignos. Distantes e doces. Olhos graúdos, cheios de compaixão.
            O nome dela é de extrema sensualidade: Lavínia. Para chamar por ela, inteiro preguiça, deve dizer Lá, já que tem a mania de abreviar as coisas. Assim, inteira nota musical, ela se impõe e impõe sinfonias entre os dois e eu me culo. Eu deixei. Deixei? Como podia consentir que mulher tão linda se aproximasse dele? Meus olhos verdes, podres, se fecham. Sinto que estou inteira podre.
            O que não posso entender é que mulher tão bela, Lavínia, a Lá, se interesse por alguém como meu marido. Um ser grosseiro e desprovido de imaginação. Sou obrigada a reconhecer que ele me tornou uma mulher infeliz.
 
 

 
            A situação fica mais e mais complicada. Encontro Lá pelos corredores de minha casa. Dia desses me trouxe chá. Cansada, muito cansada, espreito meu marido.
            Existem ocasiões em que é preciso decidir.
            — Que tal pensarmos em separação? Nun divórcio? — Interrogo com calma. — Assim, você e a tal Lá se juntam e pronto.
            — Quem é Lá? — indaga o cretino.
            — Ora, ora... essa Lavínia de quem você não se separa nunca. Outro dia até me trouxe chá — a sem-vergonha. Melhor a separação.
            — Francisca, Chica, por favor, já passamos dos 70 e Lavínia é a nossa menina, você tem de lembrar.
            — Lavínia é quem?
            — A nossa menina. Nem casou para ficar junto da gente. Tão carinhosa conosco e agora vem você ferindo. Lá no quarto, ela não pára de chorar.
            — Meu Deus! A Lavínia cresceu. Nossa menina cresceu. Por que não me contaram?
            — Fale com ela, por favor. Aceite as frutas que ela traz para você. Converse com ela.
            — Fico olhando as rosas que se encostam na vidraça. Ontem, anteontem, sei lá, dia desses eram botões, agora ali, escancaradas.
            Levanto com dificuldade e vou ao quarto de Lavínia. — Ah, filhinha, a mamãe está toda podre. Eu não vou mais esquecer. Juro que não vou. Com a mão gorducha ela enxuga uma lágrima.
            Vou dormir e sonhar. Fecho as cortinas para não ver as rosas. A cabeça me dói.
            Dói tanto pensar. Tudo porque a amante de meu marido é uma mulher viçosa. Usa tons claros e seu perfume é muito, muito suave.

Regina Benitez


 
 

« Voltar