— Acompanhe-me. É por aqui.
Estas frases soavam o sino final daquela que seria
a sua prometida. A enfermeira o levava para o último caminho a ela,
não haveria outros — Gisele possui só alguns momentos de
existência.
Não andava, era levado por seus impulsos
como em outras vezes. No corredor, numa trajetória quase infinita:
quantas memórias acordavam naquele instante! Relembrara o dia em
que prometera fidelidade a ela diante do altar florido e um ar perfumado
pela esperança. No que aconteceu, nada seguiu seus sonhos. Os meses
passavam e a desilusão fazia-o e desfazia-o, no seu intempestivoremoer.
Também ressentia o seu orgulho — isto sim,
fazia-o chorar! Ainda tinha em seus olhos a cor daquele dia:
— Meu amor! — dizia Gisele como nunca lhe tinha
havia falado, dizia para um rosto estranho, mais formoso que o dele e sem
sentimentos: apenas emoções — era o que o esquisito lhe oferecia
e ela aceitou a aventura — Estava na ânsia de te encontrar! Não
aguento mais Paulo e suas fraquezas que...
Então, o homem não a deixara continuar.
Tomara-a nos braços... Quando viu a cena, ele queria aplaudir o
enredo surpreendente. Chegou-se ao clímax do drama que ele já
desconfiava, porém temia, tremia. Saiu correndo pelas ruas chorando
como um menino — Mãe, tive um pesadelo! Fica comigo! Fica!
— Ah! — suspirou. Seus sentidos destorciam sem coração,
não podia continuar sendo levado... Ela o traiu! O seu mundo quebrou-se,
não havia o que completar. Ela o traiu! Buscou apoio na parede.
Não se sustentava. Equilíbrio minguado em "não agüento
mais Paulo e suas fraquezas que...". E o que ela falaria em seguida? Confessaria
o seu erro? Claro que não, no entanto, ele nem já se importava
com as palavras não-ditas. Seria pior! Ela já o matara naquele
dia, não com o fato em si, mas principalmente com a dura frase e
os momentos que ela passava e ele nunca o descobriria... talvez achasse
que nunca o descobriria.
Chega! Sofria, sofria muito. Rasgou o passado e
permaneceu em prantos...
— É aqui!
— Não agüento mais as minhas fraquezas!...
— sussurava em meio aos soluços.
— Senhor, nós não somos eternos. Tudo
tem o seu dia e chegou o dela: é hoje. — sentenciava a enfermeira.
— Não posso... eu não...
— Vamos! É o último pedido dela. Veja-a!
Assim descansará em paz!
Abriu a porta. Viu-a tão lânguida no
obscuro término do destino... Seria mesmo obscuro? Não sei:
era o que ele sentia e não entendia.
— Vem... aqui! perto...
Respirou fundo até sorver todo o ar para
os dois e escondeu suas lágrimas num lugar onde só ele alcançava.
Está vendo? Também possuía
segredos, e não haveria outro modo. O orgulho tomou sua fragilidade
e mesmo se roendo, pegou na mão doentia e quase esgotada de vitalidade.
— Desculpe... sei que... você sabe!... não
tive culpa...
Olha só! Deu uma vontade interminável
de rir sarcasticamente, mas conteve-se.
— Psiu! — pediu com o seu silêncio para acordar
o silêncio dela...
— Não! preciso... fa... falar!
Ele fechava os olhos... sentia-se novamente acordando
assustado: "Um pesadelo! Um pesadelo! Mamãe!". E o rio já
lhe tomava a face: era um menino outra vez!
— Fui... sou fraca! per... perdão!
— Perdôo! Perdôo! — grita descontrolado,
pois as palavras não o constituía, era só o que ela
queria ouvir... Não sabai o que queria: um pesadelo! fica comigo!
fica!
Por que chegara no fim do ato? Não sabia
se era o final do ato ou da peça, talvez o final dele mesmo... ninguém
entende e também não queria... Chorou e chorou!
Aos oito anos, sua mãe ficava deitada com
Paulinho, até devolver-lhe a calma: "Não foi real, meu anjo!
Pode dormir: eu estou aqui do seu lado". E depois dormia...
Sentiu a mão fria daquela mulher fria na
sala de um gélido hospital. Num instante, dormiu naquela mágoa
e na partida de seus sonhos. Ela se fora.
Deixou a pequena mão, enxugou as lágrimas...
— Ela dormiu! Eu disse, meu bem, foi só um
pesadelo! Um pesadelo!
Saiu e fechou a porta. Antes, porém, ajeitou
o palitó e o cabelo, mandou-lhe um beijo de adeus e foi embora.
Assobiou uma canção esquecida de infância...
Oh! As brincadeiras de roda! Que saudades!
Saudou os médicos e uma velha de cadeira
de rodas no corredor. Ninguém entendia... Saiu do hospital. Viu
o sol raiando e refletindo o sorriso que ele há muito tempo não
dava. E sorriu mais: que saudades! Ah, "minha infância querida que
os anos não trazem mais".
Karen Mirela