O casamento até que foi bom, porque foi curto. O duro é que
não iria ter recepção. A tradicional boca livre do
matrimônio não estaria disponível naquela noite. Agora
que estava reencontrando os antigos colegas de trabalho, não teria
a oportunidade de colocar a conversa em dia como gostaria. Pelo menos um
pequeno grupo se dispôs a ir até um barzinho para não
deixar a ocasião passar em branco. Fomos em cinco: um casal, eu
e mais duas garotas. O casal era formado por grande amigo na minha época
na empresa e pela sua namorada, que hoje trabalha lá, mas que não
trabalhava no meu tempo. Divertida ela. Combinava bem com o Paulo César,
que também era bastante animado. Uma das outras garotas era a Lúcia,
que também era minha contemporânea e sempre foi uma boa companhia
de bar. A outra era a Virgínia. Fazia tempo que não a via.
Acho que desde que eu saí da empresa nunca mais a havia encontrado.
Mesmo quando ainda trabalhava lá o nosso contato havia diminuído
bastante depois que ela se casou. E ficou mais distante ainda depois que
teve o filho. Casara grávida. Meio a contragosto, porque em várias
ocasiões ela já havia deixado claro que não queria
muita coisa com o namorado, funcionário de uma firma de segurança.
E em várias outras ela quase deixava claro o seu interesse por mim.
Sempre brincava e se referia à minha mãe como sogra. Eu quis
por várias vezes retribuir o interesse, mas nunca consumava o desejo.
Além do fato de eu não querer nada mais sério, ela
tinha namorado, e eu achava que não seria a forma mais correta de
se iniciar o relacionamento. Ela tinha um corpo bonito e eu a achava bonitinha,
engraçadinha e legal, mas não era ainda nada que me fizesse
desejá-la a esse ponto. O certo é que apesar das indiretas
que sempre estava dando, eu sempre dei um jeito de escapar do seu assédio.
Fomos para o bar, eu e a Lúcia, no carro da Virgínia. Naquele
dia o seu marido estava de plantão na firma e não pôde
acompanhá-la. Chegamos ao bar, que ficava ao lado de uma grande
praça no centro da cidade. Era um bar novo, fruto de uma reforma
da antiga sede de um jornal que havia fechado as portas. "Para mim iria
ficar melhor", disse quando entrei no bar. Era de se esperar que, com a
reforma, o lugar ficasse interessante, cheio de lembranças que remetessem
à antiga imprensa que ali funcionou. Mas nada disso foi feito, apenas
derrubaram as paredes e fizeram um grande galpão pintado de bege,
com mesinhas simples em fileiras compridas. O tradicional, apenas. O bar
estava cheio, pois ainda era novidade e uma sexta feira daquelas sempre
traz grande movimento. Achamos uma reles mesinha perto da porta, rodeada
de gente por todos os lados. Era a única opção e sentamos.
O bar não tinha música ao vivo e a música que saía
das caixas era de baixa altura e qualidade. "Vamos relaxar e comemorar
o casamento do Samuel", disse uma das meninas ao perceber a insatisfação
de todos.
Ficamos ali um bom tempo bebendo, conversando e botando o papo em dia.
A Virgínia parecia a mesma garota que era a minha vizinha de mesa
nos bons tempos da empresa. O bar começava a esvaziar, mas a nossa
animação e o nosso estado alcóolico só aumentavam.
Já estávamos todos meio embriagados quando a Virgínia
disse que tinha que avisar ao marido que demoraria mais um pouco. Ela me
pediu que a acompanhasse até o orelhão mais próximo,
que ficava do outro lado da praça. Fomos conversando asneiras e
rindo até a chegada ao orelhão. Ela bem que tentou discar
dali, mas o telefone estava estragado. Comentamos qualquer besteira em
relação à companhia telefônica e fomos em direção
ao telefone público mais próximo, que ficava na outra esquina,
dentro de uma velha pizzaria. No caminho até lá, entre mais
besteiras e risos, senti a sua mão segurar a minha. No começo
achei meio estranho, mas acabei gostando no pouco tempo que durou, pois
já entrávamos na pizzaria, onde ela se dirigiu solitária
ao telefone, enquanto eu sentava no antigo balcão de madeira. Ela
ficou lá falando algo que não consegui ouvir e eu fiquei
recusando a bebida que me era oferecida. Logo ela estava de volta e eu
propus que tomássemos algo ali, pois poderia ser divertido, já
que o lugar era bem legal. Ela riu e disse que tínhamos de voltar,
pois os outros estavam lá nos esperando e poderiam ficar preocupados
com a demora. Apesar da vontade de ficar ali a sós com ela, eu concordei
e partimos para o retorno ao bar. Logo que saímos ela voltou a usar
a estratégia da pegada na mão. Ela falou algo como sermos
antigos namorados e rimos mais um pouco, mais desta vez um riso mais nervoso.
Um pouco antes da praça, eu a puxei para o meu lado e passei a mão
sobre o seu ombro, enquanto ela me abraçava pela cintura. Nessa
altura eu nem me lembrava mais que ela era uma mulher casada e nem me preocupava
com seu marido. Agora não ríamos mais e mantivemos o silêncio
até a praça, onde nos sentamos abraçados num banco
camuflado por alguns pequenos arbustos. Um curto, mas gostoso beijo foi
inevitável naquele momento. "Eu achei que nunca te beijaria", ela
disse enquanto limpava a minha boca suja de batom. Em vista da minha mudez
momentânea ela se levantou e me puxou pela mão. "Vamos que
eles estão nos esperando", falou enquanto me empurrava em direção
ao bar.
As tradicionais piadinhas logo surgiram na mesa quando chegamos. "Por onde
vocês andaram?". "Por que você está com a boca vermelha
?", perguntou o Paulo César, enquanto eu ria amarelo e tentava limpar
a boca com o guardanapo. "Não tá nada", disse a Virgínia
para me salvar, seguida pela mesma opinião da Lúcia. As mulheres
me salvando da vergonha total. Ficamos mais um pouco ali no bar,
mas eu acho que fiquei mais distante, olhando meio de rabo de olho para
a Virgínia, tentando uma dica qualquer sobre que havia acontecido
e o que poderia acontecer até o final daquela noite. Ela parecia
não estar tão incomodada quanto eu e continuava a se divertir
do mesmo modo. Não parecia a mesma pessoa que eu tinha deixado naquela
empresa quando pedi demissão. Me pareceu ter se tornado uma mulher
muito mais interessante. Fiquei arrependido de não ter ficado mais
tempo na praça, ou não ter insistido mais para ficarmos naquela
pizzaria. Agora não sabia mais como fazer para tê-la comigo
novamente. Fomos embora dali e eu, mais uma vez, voltei no seu carro, mas
desta vez apenas os dois, pois a Lúcia voltaria no carro do Paulo.
Permanecemos calados no pequeno tempo que ela levou até me deixar
em casa. Esperei partir dela alguma instrução de como agir,
mas nenhum gesto foi feito e nenhuma palavra foi dita dentro daquele carro.
Nos despedimos com um visível constrangimento no ar e um simples
beijo na bochecha foi o que eu ganhei. Ela disse que precisava ir. Foi
a última palavra que ouvi. Ela foi embora no seu Fiat azul e me
deixou ali na porta de casa me remoendo de arrependimento por perceber
o que já havia perdido há algum tempo atrás e o que
acabara de perder para sempre.
Leonardo Rodrigues