— Mãe, quero água!
— Calma, filho, daqui a pouco a gente chega em casa.
— Então, cara, eu chamei a mina pra ir pro cinema e ela disse
que não queria. Aí eu perguntei se era verdade que ela gostava
de mim e ela disse não. E me dava o maior bolão, cara! Dá
pra entender as mulheres?
— Pô, meu, ela qué tirá uma com a tua cara.
— Carlinhos, chama o nenê e fala pra ele puxá uma música.
— Nenê, escolhe um pagode pra gente cantar.
— Que tal: “Sai da minha aba, sai pra lá/ sem essa de não
poder me ver/ sai da minha aba, sai pra lá/ não aturo mais
você”.
— Mãe, eu quero água...
— Eu já sei! Tamus chegando, dorme um pouquinho, dorme...
— Hummm, perdemos a novela das 7 e pelo jeito vamos perder a das
8 também.
— E logo hoje que tava tão boa... Mas talvez seja um acidente
aí na curva da morte.
— Ha, ha, ha, é nada! Esse inferno é por causa da
chuva. Basta garoar que o trânsito pára.
— Anda, Sandra, lê o próximo exercício.
— Calma, eu tô ouvindo a conversa dos gatinhos do banco de
trás.
— Mãe, eu quero água.
— Dorme, dorme...
— Quem vai descer no ponto do Corpo de Bombeiros? É o próximo.
— Mãe...
— CALA A BOCA, muleque.
— Motorista, segura as ponta se alguém quiser passar pela catraca, que vou no bar buscá água pro menino.
— Dona, pega a água aqui pela janela, aqui... do lado de fora...
— Cuidado!
— Meu Deus!...
E enquanto o motoqueiro é socorrido, a chuva se intensifica, chicoteando os curiosos e o cadáver do cobrador.
Solange Munhoz