POLÍTICA, RELIGIÃO, FUTEBOL E.... FEZES NÃO SE DISCUTE

      Até agora não consigo acreditar no que se passou. Não consigo acreditar em que eu pudesse ser protagonista de uma discussão como aquela.
      Trabalho em uma grande empresa multinacional, sendo eu o encarregado da manutenção do prédio onde funciona a sede. Pois bem, estávamos mudando algumas das seções para uma ala recém construída, uma delas já devidamente instalada há uma semana.
      A chefe da Seção de Design solicitou minha presença dizendo haver algo importante a reclamar das instalações. Lá fui eu, afinal esse era o meu trabalho. Neste momento, inicia-se a estranha história que vou relatar.
      Cláudia, era o nome da chefe, mal cheguei, foi logo me bombardeando:
      — Estou aqui faz uma semana e não agüento mais o descaso com nosso banheiro.
      Não entendi logo a questão. Está certo, sou o encarregado da manutenção do prédio, mas tenho certeza de que o banheiro (que se localizava no corredor central) estava em perfeitas condições. Tive de perguntar:
      — Doutora Cláudia (ali todo chefete é doutor), calma, qual é o problema? nós o resolveremos já.
      — O problema é que não aguento mais entrar naquele banheiro e encontrar o vaso sempre cheio de fezes.
  Pensei cá comigo: "ora, é só dar descarga", "qual é a dessa dona?"
      — A descarga não está funcionando, senhora? perguntei ingênuo.
      — Esse é o problema, ter que dar descarga todos os dias, assim não dá.
      Convenhamos, continuei a pensar, ela está aqui há apenas uma semana, no máximo foram 4 dias de descarga. Será que não está exagerando? Será que foram mesmo todos os dias? Por quê toda essa fúria?
      — Senhor Alberto, temos que descobrir quem anda fazendo isso. Disse a dona, sem nenhum indício de que estaria brincando.
      — Descobrir quem está fazendo o quê, "doutora" Cláudia?
      — Quem está ca..., er.., defecando e deixando de "dar" a  descarga.

      Não podia acreditar no que estava ouvindo. Mas me pus a imaginar: como seria uma investigação dessas, talvez coletássemos um pouco das criminosas fezes e as enviássemos para um laboratório. Depois, convocaríamos todos os suspeitos para um exame.... Espera aí, que tipo de exame seria esse?... hum...! Eu não gostaria de que ninguém tentasse me examinar assim, sob suspeita. Ridículo. Imagina só... MANCHETE DE JORNAL: Desvendado mistério do cocô.

      — Senhor Alberto, e então? O senhor concorda comigo ou não? vai tomar alguma providência?
      — Dona Cláudia (perguntei, esquecendo o doutora), como podemos fazer isso? E se foram pessoas diferentes? Talvez tenha sido coincidência.
      — Uma ova! Sei que são da mesma pessoa.
      Meu Deus. Como pode ela saber que são da mesma pessoa? Essa história não estava me cheirando bem (eu disse cheirando, isso está começando a me afetar).
      — Como pode saber dona Cláu..
      — Pela textura, pelo formato.
      Não pode ser verdade o que estou ouvindo. Não, eu não estou sonhando. Ela esqueceu o cheiro, já pensava eu entrando na dela. Mas me controlei, aquilo era loucura. Uma especialista em fezes. Talvez fosse a profissão dela, design, que lhe desse tal perspectiva.
      — Como pode ter certeza? Falei dando corda a ela (tenho certeza de que foi impulso, não poderia dar vazão a isso, assim não).
      — Tem alguma coisa nele que não me deixa enganar.
      — Ele? mas pode ser uma mulher.
      — Estou falando do cocô, quero dizer, das fezes.
      — Ah! desculpe.
      Por um momento, acho que as feministas ficariam felizes, pois cocô é masculino (mas em linguagem mais formal, fezes, é feminino. Por isso, acho, elas não tocam muito nesse assunto). Assunto? meu Deus, que estou fazendo, discutindo sobre cocô. Nunca imaginei que isso fosse acontecer. Não podia deixar ninguém mais saber do caso, não suportaria gozação.

      — Então, seu Alberto?
      Senti vontade de mandá-la à merda. À merda? Nossa Senhora. Acho que estou ficando pertubado mesmo com essa história.

      — Vamos tomar as devidas providências, doutora Cláudia — afirmei, lembrando o protocolo. O cheiro está perturbando  também (deveria ter ficado calado, mas não resisti)?. O banheiro está limpo?
      — Ora, seu Alberto, o senhor acha que com um baita co... que com aquelas fezes ali, poluindo minhas vistas eu ia dar importância a cheiro? Não cheirei nada não.
      Meu Deus! [De novo Deus - será que Ele faz cocô... que blasfêmia a minha, essa mulher vai me deixar louco] Para mim o que mais polui, nesse caso, é o cheiro, mas ela está preocupada com o formato e a textura do cocô. Será que ela ca... defeca obras de arte?  Imagino se todas as vezes em que utiliza o vaso para ca... defecar, ela, antes da descarga, aprecia o monumento...
      — Seu Alberto.... o senhor está me ouvindo.
      — Desculpe, doutora Cláudia, estava pensando em uma solução...
      — Solução? ache o responsável por isso e pronto!
      Responsável? alguém é responsável pela merda que faz (talvez os políticos que cagam e andam pra gente, mas aqui a merda era outra — menos fedida...). Agora, minha vontade era de dar descarga nela... É isso! problema resolvido.
      — Doutora Cláudia, não se preocupe. Vamos resolver o problema da melhor maneira possível.
      — Acho bom mesmo, senão terei de reclamar ao Diretor-Geral.
      Desgraçada. Querer me prejudicar por causa de uma merda de um cocô (acho que isso não soou bem...) (desde que cheire bem, está tudo ótimo). Mas até que gostaria de saber como seria a reclamação:
 

 Senhor Diretor-Geral,
Por meio desta, solicito a V.Sª resolver o problema das fezes na Seção de Design, já que não aguento mais dar descarga.
Atenciosamente,


                              Resposta do Diretor-Geral:
 

 Senhora Chefe da Seção de Design,
Estou concedendo a V.Sª  uma semana de licença para que possa tratar de seu   problema intestinal. Estimo melhoras.
Atenciosamente,


      Desde então, chego mais cedo à empresa, faço uma vistoria nos banheiros e, pessoalmente, "dou" descarga quando possíveis provas estejam a vista. Aprendi a lição: nem só com cheiro poluem as fezes (além de dar pano pra manga a discussões pouco ascépticas).

Erivan da Silva Raposo


 
 

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