— Socorro, menina, não
seja teimosa. Pare de comer em panelas, senão chove no dia do casamento.
— Ah Tia! e quem disse que
vou me casar?
Tia Firmina era mesmo assim,
planejadora de casamentos e fazedora de enxovais. Quando comecei a namorar
o Alberto, mocinha ainda, a primeira providência da minha tia foi
ir à uma loja comprar o tecido para o vestido de noiva. Ri muito,
lamentei tanto depois.
Meu grande dia havia chegado,
regado à tempestade, raios e trovões. Do lado de fora da
Igrejinha, as crianças gritavam pra me fazer pirraça:
— Sol e chuva casamento
de viúva. Chuva e Sol casamento de espanhol.
Na porta, tia Firmina, depois
de estapear um dos moleques, olhou-me zangada como se aquele fosse um mau
presságio e eu, a responsável. Mas como? Eu havia feito tudo
direitinho. Deixara de comer em panela. Virara a imagem de Santo Antônio
de cabeça pra baixo e, Deus! ainda era virgem!
Não fiz caso e comecei
a percorrer a Nave, toda orgulhosa, procurando meu noivo no altar. E foi
aí que deparei-me com os olhos mais negros de que já havia
tido notícias. Eram olhos de lobo arrancando-me toda a roupa, entumecendo
meus seios de menina, deixando meus pêlos à deriva dos maus
pensamentos.
— Lá vem a noiva,
toda de branco, e debaixo da saia um tesão...
Não conseguia lembrar-me
da brincadeira das primas. Que vontade de correr daqueles olhos, daquela
boca. Que vontade de dar-me inteira, de desmaiar dentro daqueles braços
e nunca mais ser eu mesma. Aqueles, não eram os olhos azuis do Alberto,
sempre tão bondosos e previsíveis. Eram negros, de fome declarada,
passado nebuloso, futuro incerto, viagem sem volta. Olhos de aventura,
de mar aberto, onde eu poderia navegar sem meus recatos de moça
séria, onde a minha nudez seria selvagemente comemorada como o mais
febril dos presentes. Mas qual! outros olhos aguardavam-me ansiosos, pra
toda vida.
Eram azuis.
Esqueci-me das brincadeiras,
dos sonhos recém adquiridos e tão cedo abortados, preferi
continuar meu trajeto até o altar.
Os olhos, aqueles negros,
continuavam com o seu louco e despudorado passeio através do meu
corpo virgem e eu, pobre de mim, uivava, sem saber que aquela queimação
entre as pernas haveria de me acompanhar pelo resto da vida.
Mariza Lourenço