Odeio a ciência,
ou melhor, duas ciências: a matemática e a semiótica.
Faz já algum
tempo meu marido está se afogando em números e fórmulas
matemáticas e não consigo tirá-lo desse turbilhão
de incongruências que ele compreende tão bem. Quer fazer a
leitura do mundo por meio desse conhecimento. Modela a realidade e a ata
a fórmulas para que as pessoas possam ler as experiências
concretas substituindo por outros os valores que ele usou em suas investigações.
Que interessante
é esse modo de ler o mundo desde a matemática! Sei que muitos
escritores, filósofos, cientistas a usaram como trampolim para estimular
a percepção e encontrar novas facetas de nossa problemática
humana. Mas hoje estou verdadeiramente aborrecida com a ciência e
a culpo por minha carência de sexo. Ela também roubou meu
marido.
Digo com conhecimento
de cinco anos de aventura em companhia desse exemplar do universo masculino:
não temo nenhuma mulher e, sim, a ciência. Já perdemos
sessões de cinema por causa de seus estudos de química orgânica.
Já desistimos de viagens graças aos cursos de verão
na universidade. Já discutimos porque ele não me ouvia, já
que seus pensamentos vigiavam uma bolinha de ferro que estava em um forno
a uma temperatura de 1200 graus Celsius. Que tipo versado nas exatas, não?
Também penso assim, portanto a concorrência é ainda
maior que se fosse uma só ciência. Ou será minha ilusão?
Como disse, hoje
quero sexo. Quero um homem que ouse me tocar toda a pele, esse mapa-múndi
perfeitamente harmônico que me leva a alturas cujo piso é
o céu; que me tome em seus braços e me sinta dançar
a música dos meus desejos; que se excite com meus múltiplos
odores e que não diga nada. Sem palavras. Quero ouvir apenas doces
queixas, gemidos, gritinhos e nossa algazarra de prazer.
Quero mãos
que avançam e retrocedem, que estacionam e seguem rápidas,
que vão e voltam. Não quero mãos turistas, cheias
de exigências assépticas, mas as que são milhões
de vezes desbravadoras das minhas vontades ocultas. Quero mãos acordadas.
Aquelas que não necessitam café nem coca-cola, somente os
exercícios físicos da adaptação dos nossos
corpos um ao outro. Mãos secas e úmidas que lêem a
geometria das minhas curvas e notam a inexistências de parábolas
enquanto se perdem na multidão de catenárias.
Também não
quero as mãos de letras de meu amante de sonhos que existe em outros
braços e não se dá conta que nascemos para a felicidade
e não para estar embriagados pela dor. Aquele que me anima e me
faz esperar o impossível que é encontrá-lo e que me
promete prazeres que nunca antes experimentei. Tudo isso por meio de belos
vocábulos e das feias palavras que ele tornou mais bonitas e desejáveis.
Aquele que une letras e fonemas e se imiscui em meu desejo como a perfeição,
pra lá de Don Juan; que garante minha fidelidade e que permite a
catarse das minhas fantasias mais ocultas; que autoriza a liberação
de meu id com sua virtualidade.
Não quero
o amor nas letras, escrito e descrito por meio de metáforas, eufemismos,
rimas e versos. Não quero a ficção ou fazer amor repetindo
prazeres alheios. Quero descobrir-me a mim mesma, sem mediadores, sem mentiras,
sem hipocrisias.
Estou farta da
irresponsabilidade desses dois homens que somente aumentam minha sede de
braços e corpos e fogem na hora satisfazê-la. Quero alguém
real, mas que não fale, que não crie justificativas para
seus erros e enganos. É este que vai sentir na pele os sinais da
minha raiva com a entidade masculina. Santos rivais pela mulher do próximo
e que enganam e se enganam na tentativa de serem e buscarem o inesquecível.
Sim, são inesquecíveis por sua ignorância. E talvez
— oh, bondade que em alto grau contamina as mulheres - por sua inocência.
Estou buscando
alguém que não sei onde está, tampouco quem é.
Quem souber, avise-me.
Ao terminar a leitura
do texto, depois de um longo suspiro, Manuel se põe a chorar copiosamente
a saudade da única mulher que amou e que o abandonou há três
anos, deixando-lhe a título de explicação seu próprio
diário.
Solange Munhoz