Aquela história

        Passara meses escrevendo a carta. Agora a tinha em mãos, envelopada, com o envelope selado. Queria revelar toda a admiração, o amor que sentia por ela. Queria que ela soubesse que durante todos esses quinze últimos anos seus pensamentos e seus atos foram em função dela.

        E aquela garota nunca havia sequer notado a existência dele. A Aquela, garota ainda apesar da idade, era proprietária de um nome estranho. Dizem que confundiram com Amélia ou Amanda no cartório. O fato é que Aquela era o nome dela, a amada dele.

        Andou calmamente pelas ruas da cidade litorânea em que vivia. Procurava pelo correio, que os quinze anos que passara trancado em sua pequena casa pensando n’Aquela tinham o feito esquecer-se de onde ficava. Perguntou a um rapaz, que curvou seu indicador direito para o lado esquerdo. Era lá! Entrou, trocou oito palavras com a senhora que estava na sua frente na fila, chegou sua vez. Por entre lágrimas e esperanças, deixou a carta. Nela, ele havia sugerido um encontro dali a dois dias na praia mais calma da cidade.

        Perseguiu o carteiro para ter certeza de que o moço não erraria, não sacanearia e a carta ao destino chegaria. Quando se aproximaram da casa dela, ele pensou em socar o entregador de cartas e desistir da idéia de revelar sua paixão. Mas resolveu suspirar e gritar “sou corajoso” bem alto. A vizinhança toda saiu na janela para ver quem era o maluco. Ele se escondeu num beco de vergonha e no momento em que de lá saiu a carta já estava entregue. Era só esperar.

        Os dois dias passaram muito vagarosamente pra ele. A ansiedade não o deixou dormir. Nem comer, nem beber. Só suspirava o tempo todo. Estava cheio de esperança e de desejos. Mas foi saindo do banho, vestindo a calça, olhando no relógio, vendo que faltava pouco tempo e foi diminuindo, ficando com medo, mais medo. Gritou que era corajoso denovo. Respirou fundo e foi embora.

        Pegou duas conduções com o dinheiro que restava da mesada que seus idosos pais mandaram pra ele aquele mês, como de costume. Chegou ao calçadão da praia sugerida ao encontro. Olhou em volta e só viu a areia, o mar, um quiosque vazio, o ônibus indo embora e nada mais. Ela tinha dado cano. Andou um pouco, já meio conformado mas chorando muito, só para exercitar as pernas. Levantou a cabeça. E viu um vulto ali mais na frente. Acelerou os passos, enxugou as lágrimas, engoliu o choro e vulto foi se clareando. Aquela não era ela! Não era ela... Não era ela? Era ela? Era ela... Era ela! Era Aquela! Agora estava a ponto de acontecer seu encontro com aquela garota com quem tanto sonhara.

        Foi caminhando em direção a ela. Observou-a emocionado, mas a emoção começou a ser substituída por um vazio enquanto se aproximava. Por um segundo ficou lado a lado com Aquela, mas seguiu em frente. Fingiu que nem era ele e a deixou esperando sentada. Aquela não era Aquela. Ou melhor, era Aquela, mas não era aquela Aquela por quem tinha se apaixonado. Tudo estava muito estranho. Era a mesma pessoa, só que quando ele a viu sob um outro ponto de vista, mais de perto, inexplicavelmente aconteceu o que parecia impossível. Ele não estava mais apaixonado. Estava, sim, a partir daquele momento, libertado daquela paixão que tanto limitava sua vida. Sentiu-se leve, viu que era ele quem impunha as barreiras da sua vida e estipulava os limites do possível e do impossível.

        Pensou nisso por mais uns minutos e, quando se deu conta, percebeu que já tinha se esquecido de andar sobre a areia na praia havia algum tempo. Estava sequinho e andando por entre as fortes ondas que caracterizavam aquele mar. Tinha descartado da existência dele os limites! Empolgou-se. Deslizou sobre as águas e notou que Aquela estava observando-no. Parou. Gritou para que ela ouvisse que foi ele quem escrevera aquela carta. Aquela retrucou, dizendo bem forte que o amava. De longe, Aquela mais uma vez parecia aquela Aquela que havia representado tudo para ele durante quinze anos. Ele berrou altíssimo que também a amava.

        E submergiu...

Bruno Bracco


 
 

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