Graz chegava invariavelmente às 18:30 h. nas sextas. O cabelo muito longo e uma tatuagem no ombro sempre descoberto pela blusa tomara-que-caia. Chegava e sentava na cozinha no tamborete perto do fogão a lenha. Às vezes enchia uma caneca com água do pote e bebia aos golinhos sempre com os olhos quentes orbitando ao redor de mim. Nunca falava antes de tocar a primeira canção. Parecia ser um pacto com o violão pois ele sempre falava primeiro. Quando muito ao molhar os lábios com outro gole de água fria ela abria a boca e contornava uma palavra indecifrável mas nessa hora não olhava pra mim. Às 19:00 h. já se ouvia um tilintar de nuvens e pela janela começava a soprar a última brisa quente do dia. Nesse sinal Graz se levantava e caminhava com seu vestido e cabelos em ondas até o parapeito da janela e olhava para ela como quem espera um presente. Suas mãos grandes e delicadas de violonista abriam-se espalmadas para cima e eram colocadas para fora da janela e ela fechava os olhos e juntava as pernas com o vestido esvoaçante bailando de felicidade. Naquele momento nada carecia de saudade. Graz era a musa da música esperando seu instrumento que descia leve ao vento como que com cordões de fantoches como que suspenso pela vontade de um deus que sabia que melodias iriam fazer uma casa brilhar. Graz sorria ao senti-lo roçar sua pele seus dedos sua expectativa. Graz ali recebia novamente uma benção.
Voltava-se para dentro do cômodo e no seu andar já não havia expectativa e no seu olhar não havia mais dúvidas e ao me notar não havia mais timidez agora ela era a rainha dos movimentos deusa das partituras genitora presente e onipotente dos versos musicais que ela sabia tão bem. Então Graz sentava-se no tamborete e ele parecia ser de espuma e cetim e ela estava de qualquer maneira confortável e de agora em diante com os dedos e o enlace perfeitos no violão ela conjugaria os acordes e os olhos em mim.
Ao primeiro toque nas cordas a água silenciava as panelas quietavam e o vento assentava no colo das flores no parapeito das janelas nos vasos de outros aposentos que paravam seu tempo para ouvir Graz tocar. Talvez anjos e pequenos demônios também viessem ouvir mas não brigavam nem se censuravam pois as canções e o coração de Graz estavam acima do céu e do inferno.
Carlos Edu